Quando era pequena gostava de poupar dinheiro, de o contar, de o ir trocar ao Banco. A culpa foi do meu bisavô, que dava uma moeda de 25 escudos no natal. Achava curioso que ele tivesse uma bolsa delas. Mas só dava uma. O outro culpado foi o Montepio Geral. Quando andava na ginástica eles tinham uma campanha de contas em que ofereciam uma abertura de conta com mil escudos à sorte. Tive sorte e tive uma conta com 9 anos, acho. Nesse ano e seguintes acumulava moedas, de todos os tamanhos, numa caixinha. Orgulhosa de mal gastar um quarto da mesada, ia trocá-las ao banco. Os bancários achavam graça e eu alimentei o gosto pelas poupanças. Mas não muito.
Felizmente os meus pais não poupavam. Apenas gastavam pouco para poder gastar em livros, em viagens. Não gastavam em carros nem em empréstimos a casas. E portanto, cresci com esta diferença, uma diferença de classe que me chateava, porque gostava era de ser igual aos meus colegas. Os meus pais tinham um carro em segunda mão e uma casa alugada e os meus colegas tinham casas compradas e carros recentes. Percebi rapidamente a importância da tacanhês económica dos meus pais: nós viajávamos muito mais e comíamos mais vezes fora, sobretudo nas férias e em quase todos os aniversários. Peixe, de preferência.
Resumindo, aprendi cedo a poupar e a gastar pouco. Mas tudo num ambiente sem contenção em geral. Algarve na infância, ginástica, viagens dentro e fora do país, a acampar, quase sempre. EM adulta, períodos de meses sem trabalho ajudada pelos pais. Mas depois veio a crise económico-financeira. Num tempo em que eu tinha bolsa de investigação. Nada má, por acaso, 1500 mensais. Tendo constituído família e com um marido a ganhar menos do que eu, foi bom ganhar bem. Dava para não andarmos preocupados com contas. Poupados, gastando pouco, mas sem contenção geral.
Só que entretanto os meus pais, ambos reformados, foram cortados pela metade na sua reforma. E foram aumentados na sua renda em muitas centenas por cento. A minha irmã esteve desempregada dois anos e meio. E eu, no final do período de desemprego dela, fiquei sem salário. Tout court. Uma bolsa não dá direito a subsídio de desemprego. Os cortes ao financiamento no superior engarrafaram ainda mais o trânsito dos pedidos de bolsa. Desde abril de 2015 que não recebo. Nada. Valem-me os meus contidos gastos - vulgo poupanças - no ano anterior e, mais uma vez, os meus pais que apesar de não poderem, sacrificam os seus gostos culturais para me ajudar com uma quantia pequena mas boa, mensal.
Há colegas meus que defendem que é melhor ter uma bolsa de 1500 euros durante uns tempos do que ter um contrato de, digamos, 1100 euros, com direito a subsídio de desemprego no final. Porque as pessoas pensam é no presente e tal. Felizmente, nunca pensei assim e por isso agora posso sublinhar a minha posição: estou desde maio sem receber e custa-me cada dia não ter um subsídio de desemprego. Custa-me cada dia tentar viver com um limite de 600 euros mensais. Gasto quase nada a ir para Lisboa todos os dias. Dá muito trabalho. Fazer o almoço para o João, fazer o almoço para mim, lembrar-me a cada momento que não posso gastar dinheiro, beber o café da máquina de cafés mais barata da universidade, estacionar o carro para ir para o barco não no estacionamento formal, mas no estacionamento informal, mais longe; custa-me cada dia não poder comprar legumes e fruta de qualidade. E cada dia me custa mais ouvir o filho da puta do primeiro ministro dizer que afectou a todos esta crise.
Esta crise não afetou a todos, não senhora. Afetou as classes mais desfavorecidas, e afectou as classes médias que se tinham habituado a viver mais ou menos, e agora tiveram de sair daquilo a que ele chama zona de conforto que era só o poder ir comprar um frango assado de vez em quando para o jantar.Não afectou grandemente as classes mais abastadas. Aliás, afectou-as de uma maneira especial: ficaram mais a favor do voluntariado, por exemplo.
E esta crise não afecta as pessoas mais ricas, pelo contrário, enriquece-as. Se já sabíamos que isto era verdade para os bancos, é também verdade para coisas tão práticas como comprar batatas fritas para acompanhar o raro frango no take away. É que se há coisa que as ex-classe médias não podem deixar de fazer, tal como as outras pessoas, é de comer. Por isso não precisamos de mais nada. Só dos Belmiros e dos como é que se chama o do Pingo Doce, já me esquici?
A parte boa é que posso dar dicas a quem quiser, sobre como poupar mais e mais. Agora aprendi a quase não deitar nada fora do frigorífico. Aprendi a dar valor às marmitas, agora que as uso todos os dias, na mochila, em vez do computador, que em casa agora só há um. Enquanto não me tirarem o "posto de trabalho" na universidade, uso o de lá.
Só tenho pena que os partidos de esquerda estejam sub-divididos. Precisava mesmo que se unissem. Sentiria mais esperança. Eu, e emuita gente, aposto.
Friday, July 24, 2015
Monday, March 23, 2015
não sabia
Já sabia que ser mãe ou pai dá trabalho, já sabia que é difícil escrever uma linha intelectual com privação de sono a longo termo, já sabia que era quase impossível ter uma carreira académica sendo mãe, sobretudo em contexto de crise económica. não trocava nada pela saúde do meu filho. nada. às vezes custa, às vezes queixo-me, mas nada paga o amor, nada me dá mais energia do que vê-lo a cantar. também me queixo das energias que gasto com a gestão do dia-a-dia com os meus filhos "emprestados" sobretudo nas férias, do futebol jogado em casa, dos jogos do computador e do imaginário masculino criativo e esgotante (que não conhecia se não através dos comics do Calvin & Hobbes).
E queixo-me que a minha liberdade a fazer coisas sozinha se restrinja às idas ao supermercado (felizmente gosto) e torno-me chata de tanta queixa real e canalizada para gritos. já sabia que a realização pessoal passaria para segundo plano, em conjunto com a realização pessoal das minhas amigas na mesma situação. já sabia que não viveria amargurada com estas certezas porque haveria gargalhadas infantis cá em casa, dilemas adolescentes para resolver, coisas importantes para cada um. O que não sabia era que o tempo se podia multiplicar tanto e encolher tanto, não sabia que haveria tempo num dia para arrumar as coisas, trabalhar, ir ao médico, ao supermercado, à farmácia, ver meio episódio de uma série, ler metade de uma página de literatura na cama e 10 de artigos no barco, não sabia que o tempo também podia encolher, e que um dia inteiro em casa com um filho doente parecia um ano inteiro. não sabia que os problemas são ultrapassados mais depressa, que nunca mais ficaria a matucar numa ninharia mais do que o necessário. não sabia que seria budista à força, um dia de cada vez. não é por acaso que há deuses representados em criança. não sabia que a minha vida e a minha família eram um romance russo acelerado. não sabia que ia manter o espanto e a vontade de aprender. é só preciso um bom intervalo de cinco minutos (dantes precisava de dias para refocar). ser feliz dá muito trabalho, e nunca se pode largar o objectivo de nos mantermos de pé.
E queixo-me que a minha liberdade a fazer coisas sozinha se restrinja às idas ao supermercado (felizmente gosto) e torno-me chata de tanta queixa real e canalizada para gritos. já sabia que a realização pessoal passaria para segundo plano, em conjunto com a realização pessoal das minhas amigas na mesma situação. já sabia que não viveria amargurada com estas certezas porque haveria gargalhadas infantis cá em casa, dilemas adolescentes para resolver, coisas importantes para cada um. O que não sabia era que o tempo se podia multiplicar tanto e encolher tanto, não sabia que haveria tempo num dia para arrumar as coisas, trabalhar, ir ao médico, ao supermercado, à farmácia, ver meio episódio de uma série, ler metade de uma página de literatura na cama e 10 de artigos no barco, não sabia que o tempo também podia encolher, e que um dia inteiro em casa com um filho doente parecia um ano inteiro. não sabia que os problemas são ultrapassados mais depressa, que nunca mais ficaria a matucar numa ninharia mais do que o necessário. não sabia que seria budista à força, um dia de cada vez. não é por acaso que há deuses representados em criança. não sabia que a minha vida e a minha família eram um romance russo acelerado. não sabia que ia manter o espanto e a vontade de aprender. é só preciso um bom intervalo de cinco minutos (dantes precisava de dias para refocar). ser feliz dá muito trabalho, e nunca se pode largar o objectivo de nos mantermos de pé.
Monday, January 27, 2014
janeiro de 2034, Lisboa
1. Habitação. O governo português instaura um novíssimo programa de realojamento para resolver todos os problemas de habitação. A ideia é demolir todas as casas construídas informalmente no período da grande crise económica 2008-2028, mais conhecida como Mega Depressão. Os cientistas sociais advertem contra este programa, dizendo que há 40 anos foi instaurado um programa semelhante que em vez de integrar, segregou mais as populações visadas. E dizem que a história da habitação refere que já nessa altura um programa de realojamento em habitação social estava obsoleto a nível internacional, pelo que o dinheiro investido seria, e foi, mal gasto. O governo contra-argumenta que algo tem de se fazer, e se o que está disponível é a possibilidade de se fazer realojamentos em habitação social, é o que será feito.
2. Saúde. O governo português, após 15 anos de lei proibitiva do aborto, reconhece que a lei de 2008, que dava a possibilidade de abortar até às 10 semanas de gestação, era uma lei com grande aceitação e garantia os direitos das mulheres, bem como contribuía para uma melhor saúde da mulher fértil. Nos últimos anos, verificaram-se, por um lado, não só mais mortes decorrentes de abortos ilegais, como uma decadência no acesso à saúde.
3. Educação. O governo português volta a colocar como leitura obrigatória Os Maias de Eça de Queirós. Não há mais leituras obrigatórias. Os alunos de resto terão de ler 5 obras entre as 25 escolhidas. Este método é semelhante a algo que aconteceu há 20 anos atrás, mas como não houve estudos na área da educação cruzados com estudos de literatura na área da promoção da leitura, voltamos a experimentar o mesmo.
4. Alimentação. O governo português adverte que o azeite produzido em Portugal não está apto para o consumo alimentar e deve ser apenas empregue no uso industrial e automóvel. O uso excessivo dos solos provocado pelas oliveiras anãs e pela apanha mecanizada conduziram a um empobrecimento drástico dos nutrientes do azeite. Os portugueses deverão por isso procurar, por exemplo, o azeite produzido em Espanha, onde essa prática foi abandonada há 15 anos após a crise do azeite espanhola.
2. Saúde. O governo português, após 15 anos de lei proibitiva do aborto, reconhece que a lei de 2008, que dava a possibilidade de abortar até às 10 semanas de gestação, era uma lei com grande aceitação e garantia os direitos das mulheres, bem como contribuía para uma melhor saúde da mulher fértil. Nos últimos anos, verificaram-se, por um lado, não só mais mortes decorrentes de abortos ilegais, como uma decadência no acesso à saúde.
3. Educação. O governo português volta a colocar como leitura obrigatória Os Maias de Eça de Queirós. Não há mais leituras obrigatórias. Os alunos de resto terão de ler 5 obras entre as 25 escolhidas. Este método é semelhante a algo que aconteceu há 20 anos atrás, mas como não houve estudos na área da educação cruzados com estudos de literatura na área da promoção da leitura, voltamos a experimentar o mesmo.
4. Alimentação. O governo português adverte que o azeite produzido em Portugal não está apto para o consumo alimentar e deve ser apenas empregue no uso industrial e automóvel. O uso excessivo dos solos provocado pelas oliveiras anãs e pela apanha mecanizada conduziram a um empobrecimento drástico dos nutrientes do azeite. Os portugueses deverão por isso procurar, por exemplo, o azeite produzido em Espanha, onde essa prática foi abandonada há 15 anos após a crise do azeite espanhola.
Thursday, October 24, 2013
Veneza no subúrbio
(inspirado nos Contos dos Subúrbios de Shaun Tan e numa noite de chuva do Montijo)
Naquela terra as pessoas estavam habituadas às cheias. As cheias eram rápidas. Caía uma carga de água grande e começavam a surgir grandes charcos no meio dos quarteirões. E nas zonas de vivendas formavam-se pequenos rios.
Nessas alturas todos se cansavam muito a tirar a água das ruas. Tinham de andar de galochas e se as chuvas durassem mais de dois dias, tinham mesmo de ir buscar os barcos dos pescadores para poderem circular. As pessoas que não tinham galochas iam a correr comprá-las. E as que não eram pescadores nem tinham pescadores na família porque trabalhavam nas fábricas de cortiça, perguntavam aos vizinhos se conheciam um pescador com um barco para as levar a algum lado.
Não era fácil ir a algum lado porque a maior parte dos serviços - escolas, médicos, bibliotecas e cafés - situavam-se no rés-do-chão dos edifícios.
Um dia o presidente da câmara, que tinha muitas ideias mas que raramente executava, dizia ele por falta de verbas, lembrou-se que se havia tantas cheias num ano, o melhor era admitir que a aldeia do Norte, como chamavam estranhamente àquela vila na margem sul da área grande da capital, era uma vila alagada.
Primeiro os moradores achavam que o Presidente da Câmara não estava bom da cabeça, onde já se viu ter uma vila alagada? Depois a Vereadora da Cultura apoiou o Presidente dizendo que assim seria como uma Veneza, não tão turística, claro, nem com palácios antigos, mas a Câmara podia facilitar as coisas aos proprietários dos serviços para passá-los para os primeiros andares.
Depressa os moradores aderiram à ideia. Apesar de não haver muitas verbas (mas lá se encontrou uma verba qualquer) adequaram-se as ruas e as pracetas dos quarteirões às chuvas, e aproveitou-se uma altura de grandes chuvadas para fechar todas as comportas improvisadas. Algumas pracetas transformaram-se em piscinas, outras em portos para guardar os barcos. Os pescadores passaram todos a ter trabalho. Toda a gente da grande cidade já não vinha à aldeia do Norte apenas para comer uns petiscos, agora vinham para ver a Veneza à portuguesa.
Todos os serviços passaram para os primeiros andares. As escolas passaram a oferecer cursos de mergulho, e os trabalhos finais de ciências começaram todos a dedicar-se às espécies marinhas e fluviais. E as fábricas de cortiça começaram a fazer jangadas com rolhas gigantes para serem os novos camiões de transportes de mercadorias nos rios que passavam agora entre as casas. Nem tudo foi feliz para sempre porque passaram a ter ainda mais humidade nas casas, mas talvez quando houvesse verba podia haver uma política de melhorar as casas.
Naquela terra as pessoas estavam habituadas às cheias. As cheias eram rápidas. Caía uma carga de água grande e começavam a surgir grandes charcos no meio dos quarteirões. E nas zonas de vivendas formavam-se pequenos rios.
Nessas alturas todos se cansavam muito a tirar a água das ruas. Tinham de andar de galochas e se as chuvas durassem mais de dois dias, tinham mesmo de ir buscar os barcos dos pescadores para poderem circular. As pessoas que não tinham galochas iam a correr comprá-las. E as que não eram pescadores nem tinham pescadores na família porque trabalhavam nas fábricas de cortiça, perguntavam aos vizinhos se conheciam um pescador com um barco para as levar a algum lado.
Não era fácil ir a algum lado porque a maior parte dos serviços - escolas, médicos, bibliotecas e cafés - situavam-se no rés-do-chão dos edifícios.
Um dia o presidente da câmara, que tinha muitas ideias mas que raramente executava, dizia ele por falta de verbas, lembrou-se que se havia tantas cheias num ano, o melhor era admitir que a aldeia do Norte, como chamavam estranhamente àquela vila na margem sul da área grande da capital, era uma vila alagada.
Primeiro os moradores achavam que o Presidente da Câmara não estava bom da cabeça, onde já se viu ter uma vila alagada? Depois a Vereadora da Cultura apoiou o Presidente dizendo que assim seria como uma Veneza, não tão turística, claro, nem com palácios antigos, mas a Câmara podia facilitar as coisas aos proprietários dos serviços para passá-los para os primeiros andares.
Depressa os moradores aderiram à ideia. Apesar de não haver muitas verbas (mas lá se encontrou uma verba qualquer) adequaram-se as ruas e as pracetas dos quarteirões às chuvas, e aproveitou-se uma altura de grandes chuvadas para fechar todas as comportas improvisadas. Algumas pracetas transformaram-se em piscinas, outras em portos para guardar os barcos. Os pescadores passaram todos a ter trabalho. Toda a gente da grande cidade já não vinha à aldeia do Norte apenas para comer uns petiscos, agora vinham para ver a Veneza à portuguesa.
Todos os serviços passaram para os primeiros andares. As escolas passaram a oferecer cursos de mergulho, e os trabalhos finais de ciências começaram todos a dedicar-se às espécies marinhas e fluviais. E as fábricas de cortiça começaram a fazer jangadas com rolhas gigantes para serem os novos camiões de transportes de mercadorias nos rios que passavam agora entre as casas. Nem tudo foi feliz para sempre porque passaram a ter ainda mais humidade nas casas, mas talvez quando houvesse verba podia haver uma política de melhorar as casas.
Monday, September 02, 2013
Preciso de vitaminas
Preciso de vitaminas. Para a rentrée e não só. As férias foram cansativas. Levar a família de férias não era uma novidade, mas com um bebé sim.
Muitas opiniões e a independência perdida fizeram de idas ao café só com o M. momentos únicos. O resto mediu-se em medições. Quanto comeu? Quando comeu? O que comeu? (estou a falar do bebé). Deste-lhe de mamar? Outra vez? Ele já pode comer tudo, alvitra-se, aqui e ali. Olha, que estranho, tem um pouco de diarreia. Eu levo-o à praia. Não é preciso pôr creme outra vez. Despe-lhe a t-shirt coitadinho. É só um bocadinho.
Não nasci para a assertividade, está visto, e isso torna tudo mais cansativo. Responder à letra acaba por ser, vindo de mim, uma espécie de afronta, e temo que assim soe aos ouvidos de quem "merece".
As férias seguintes eram supostas serem passadas a 3. Bebé, papá, mamã. Mas não. As férias a três passaram a férias a 5. Bebé, papá, mamã, manos. Tivemos de os ir buscar às férias da mãe, que não estavam a correr como planeado. Assim, a mãe teve com eles uma semana de férias, já connosco em casa e a trabalhar a meio gás. As férias de verão para os manos, de resto, foram passadas na casa da avó durante o dia e connosco à noite depois do trabalho, porque a mãe chateou-se com a avó e foi como se eles só tivessem uma avó. Além disso, o novo trabalho da mãe, é muito importante, pois claro, e não dá para muitas viagens ao Montijo.
Regressados de férias cansativas, tenho uma das notícias mais complexas de gerir de sempre na vida, depois da morte do Bruno. Telefona-me uma amiga. O pai dela matou a mãe, matando-se em seguida. Aconteceu-me isto, disse ela. O próprio dia e seguintes foram dias de trabalho com dificuldade. E depois lá fui a um dos enterros, o da mãe, pois claro, até porque a fazer questão, ela e os irmãos preferiram visitas no dia da mãe.
A vida muda para sempre com uma coisa destas. Entretanto encomendei um livro na Amazon sobre estas coisas e como fazer o luto disto, a ver se consigo dizer alguma coisa de jeito quando houver oportunidade para falar com ela como deve ser.
Isto deu-me para pensar que às vezes me dedico mais aos amigos do que à família. E esta reflexão foi-se espraiando ao longo dos últimos dias de agosto, todos quentes, que não deixam espaço para reflexões prolongadas nem definitivas, nem decisórias. Nisto, o bebé passa de quase 6 dentes para 10, voltando a acordar duas vezes por noite. E à segunda vez eu fico sem dormir - será do calor, das notícias deste ano, ou do café depois do almoço?
Espaço para dizer outra vez - preciso de vitaminas.
E nos últimos dois dias a noticia que dá conta da necessidade de prestar mesmo mais atenção à família. E que me leva mesmo a ir comprar vitaminas. Porque me deitou abaixo e até pensei que ia ficar assim por meses, mas felizmente hoje acordei com vontade desta catarse escrita, e da decisão das vitaminas.
O meu sobrinho teve uma convulsão. Grande. Antes disto tinha tido vários episódios de grandes enxaquecas, às vezes seguido de apatia. Os médicos desconfiam fortemente de epilepsia e o meu sobrinho está neste momento a fazer exames para confirmar. Eles sim ficaram com as férias a meio (ainda faltava uma semana) e no fim a minha irmã se calhar não tem emprego. Também a minha amiga a quem morreram os pais não teve férias, porque ia começá-las no dia fatídico.
Férias eu tive, não tenho que me queixar. Boiei no mar do Algarve sempre que pude, vi sítios novos, até visitei um borboletário tropical!
Mas preciso de vitaminas!
Muitas opiniões e a independência perdida fizeram de idas ao café só com o M. momentos únicos. O resto mediu-se em medições. Quanto comeu? Quando comeu? O que comeu? (estou a falar do bebé). Deste-lhe de mamar? Outra vez? Ele já pode comer tudo, alvitra-se, aqui e ali. Olha, que estranho, tem um pouco de diarreia. Eu levo-o à praia. Não é preciso pôr creme outra vez. Despe-lhe a t-shirt coitadinho. É só um bocadinho.
Não nasci para a assertividade, está visto, e isso torna tudo mais cansativo. Responder à letra acaba por ser, vindo de mim, uma espécie de afronta, e temo que assim soe aos ouvidos de quem "merece".
As férias seguintes eram supostas serem passadas a 3. Bebé, papá, mamã. Mas não. As férias a três passaram a férias a 5. Bebé, papá, mamã, manos. Tivemos de os ir buscar às férias da mãe, que não estavam a correr como planeado. Assim, a mãe teve com eles uma semana de férias, já connosco em casa e a trabalhar a meio gás. As férias de verão para os manos, de resto, foram passadas na casa da avó durante o dia e connosco à noite depois do trabalho, porque a mãe chateou-se com a avó e foi como se eles só tivessem uma avó. Além disso, o novo trabalho da mãe, é muito importante, pois claro, e não dá para muitas viagens ao Montijo.
Regressados de férias cansativas, tenho uma das notícias mais complexas de gerir de sempre na vida, depois da morte do Bruno. Telefona-me uma amiga. O pai dela matou a mãe, matando-se em seguida. Aconteceu-me isto, disse ela. O próprio dia e seguintes foram dias de trabalho com dificuldade. E depois lá fui a um dos enterros, o da mãe, pois claro, até porque a fazer questão, ela e os irmãos preferiram visitas no dia da mãe.
A vida muda para sempre com uma coisa destas. Entretanto encomendei um livro na Amazon sobre estas coisas e como fazer o luto disto, a ver se consigo dizer alguma coisa de jeito quando houver oportunidade para falar com ela como deve ser.
Isto deu-me para pensar que às vezes me dedico mais aos amigos do que à família. E esta reflexão foi-se espraiando ao longo dos últimos dias de agosto, todos quentes, que não deixam espaço para reflexões prolongadas nem definitivas, nem decisórias. Nisto, o bebé passa de quase 6 dentes para 10, voltando a acordar duas vezes por noite. E à segunda vez eu fico sem dormir - será do calor, das notícias deste ano, ou do café depois do almoço?
Espaço para dizer outra vez - preciso de vitaminas.
E nos últimos dois dias a noticia que dá conta da necessidade de prestar mesmo mais atenção à família. E que me leva mesmo a ir comprar vitaminas. Porque me deitou abaixo e até pensei que ia ficar assim por meses, mas felizmente hoje acordei com vontade desta catarse escrita, e da decisão das vitaminas.
O meu sobrinho teve uma convulsão. Grande. Antes disto tinha tido vários episódios de grandes enxaquecas, às vezes seguido de apatia. Os médicos desconfiam fortemente de epilepsia e o meu sobrinho está neste momento a fazer exames para confirmar. Eles sim ficaram com as férias a meio (ainda faltava uma semana) e no fim a minha irmã se calhar não tem emprego. Também a minha amiga a quem morreram os pais não teve férias, porque ia começá-las no dia fatídico.
Férias eu tive, não tenho que me queixar. Boiei no mar do Algarve sempre que pude, vi sítios novos, até visitei um borboletário tropical!
Mas preciso de vitaminas!
Monday, July 27, 2009
Barcos, flamingos e uma excursão de gaivotas
Há um cemitério de barcos no mar da palha. E uma colónia de flamingos. Há uma excursão diária de gaivotas que vem do cabo carvoeiro para o Tejo. Tudo conflui nos fins de tarde de verão. Correntes de mar e de silêncio de aves budistas, que flectem delicadamente a perna e permanecem elegantes sobre o lodo fértil da maré vazia. Os barcos no mar da palha, lá em baixo, fazem lembrar os contos debaixo de água do Garcia Marquez, cenas fantásticas com sons marinhos e cenas oníricas de que se acorda de repente, no tabuleiro da ponte, a 100 à hora. Os candeeiros da ponte são elegantes como os flamingos. E as pessoas nos carros estão felizes e tristes por regressar do sul e das praias, coradas e quase despidas, e ouvem os seus sons preferidos nos rádios e olham distraidamente para as outras pessoas que vão nos outros carros. As gaivotas vêm de sul e os flamingos permanecem na margem sul do Tejo, e nem todos os olhos que vão nos carros os vêem. O verão tem só um ponto cardeal. Mesmo olhando para poente, é sempre de sul que se olha. As gaivotas sobem pela estrada aérea que acompanha a arriba fóssil olhando para o mar. A excursão de gaivotas é grande, a perder de vista. Vão em bandos de dúzias e chegam aos milhares ao mar da palha para velar os barcos.
Friday, July 24, 2009
desculpe lá, senhora enfermeira
a enfermeira pediu-me para ter calma. calma, sim senhor, é o que as pessoas calmas pedem às ansiosas, que recebem o pedido com relutância. desculpe, senhora enfermeira, é que às vezes demoramos algum tempo a recuperar de notícias que era suposto esperarmos mas que o optimismo deixava uma réstia para uma notícia melhor. é tudo pelo bem e tal, mas a necessidade imediata de sorrir e ficar calma é contraditória com as vontades que os sentidos têm de reagir de outra forma. desculpe, depois lá me passou e já não a vi para dizer qualquer meia dúzia de palavras de apaziguamento.
Subscribe to:
Posts (Atom)