Sunday, March 01, 2009

um dia assim

um dia voltei à zona entre o sono e o sonho. são as horas em que nunca mais se consegue dormir e em que aparecem as imagens como se já estivéssemos a sonhar, mas acordados. nessas alturas há que reter o que se imagina assim sem querer. parecem viagens (trips) sem aditivos. essa é a twilight zone do colchão, a da espera e a da luz a meio tom, o tom do escuro com imagens luminosas. mas ao fim de dias e dias assim, um dia volto a dormir quando não aguento mais e a acordar sem me lembrar dos sonhos reais e viajados, como se a espera do son(h)o tivesse sido em vão.

Friday, February 27, 2009

harpa


harpa tocada vista de frente (e ao longe): um músico com uma grande língua de fora a dizer coisas nas cordas sem se calar. (na imagem é o xavier de maistre que foi tocar à gulbenkian)

Wednesday, February 25, 2009

aumentando uma frase do saramago

as coisas só são novas para as pessoas porque as pessoas aprendem-nas pela primeira vez. de resto, as coisas sempre existiram iguais e não há nelas novidade. a novidade é de cada um porque cada um é novo e pode ver cada coisa em primeiro lugar.

Wednesday, February 18, 2009

azul cobalto

expectativa azul cobalto, ou indigo, de qualquer forma um azul bonito, o do lenço que trazias ao pescoço. destemido, directo. a expectativa tem a cor azul da índia. além disso, parece que gosto da (que me parece ser a) tua perspectiva do espaço. como se a importância do vazio correspondesse à importância do silêncio. não sei.

tabacaria

reli a tabacaria há uns dias. e depois reli outra vez. e outra vez e outra vez e não me cansei. gosto muito de todas as partes mas a dos chocolates parece aproximar Álvaro de Campos do Alberto Caeiro: não há metáfora para além dos chocolates. a parte do génio também é muito boa para os momentos de dúvida sobre mudar de trabalho para nos dedicarmos às artes. e mesmo assim deixa-nos na dúvida sobre isso porque a sensação no fim do poema é que de facto os poetas vêm ao mundo para os ateus terem como rezar. e o dia dos meus anos? os primos diferentes... há alguma melhor imagem/expressão do que os primos diferentes? como é pessimista e tranquilizante ao mesmo tempo! e, ler logo de seguida uma parte do guardador de rebanhos, é ficar descansada sobre as sensações que se têm relativamente às atitudes (pós-modernas?)

Tuesday, February 17, 2009

esplanada da Graça

está sol e tenho de franzir a testa para manter os olhos abertos. a esplanada está cheia porque todos precisam de secar a humidade que se entranhou por causa da chuva continuada do inverno. é ainda inverno - falta mais de um mês para a primavera, mas o ambiente de carnaval foi antecipado proque o sol veio de repente, com a lua cheia (tal como previ num impulso optimista) e parece até que houve um eclipse. se havia dúvidas para a influência dos elementos nas pessoas, a resposta está nesta semana que passou em lisboa, com a fúria do sonho e das vontades, em amálgama.
mais coisas que fizeram desta semana isso mesmo: na sexta-feira dia 13, um dia propício ao assumir das superstições, as de azar sobretudo mas também as de sorte, que gerou a expectativa inevitável quanto ao que aconteceria numa sexta-feira primeira de sol e de lua, há dois ou três dias a reinar sobre a novamente branca lisboa, uma sexta-feira véspera de dia do santo dos namorados, que ninguém liga mas está em todo o lado a falar de mãos dadas, dos beijos e tudo.
por isso, com ninguém ligando a nada, nem sequer à importância da lua cheia e da vinda ansiada do sol, com este ninguém ligando a nada, sairam todos, e todos se encontraram e todos quiseram cantar e dizer tudo a fingir que não sabiam porquê.
assim se passou a semana mais importante do ano, num mês normalmente insignificante, o que importa é que a semana tenha sido devidamente honrada com as catarses necessárias e que se tenham cumprido as coisas em suspense e que as estações se tivessem trocado momentaneamente todas para dar a sensação do mundo todo na cidade.

Sunday, August 31, 2008

as palavras 4'42''

Manuela de Freitas/José Mário Branco, para Camané (fado Paço d'Arcos)

São as palavras que eu digo
Meu abismo e meu abrigo
Partilha de pão e espanto
Lucidez que desatina
Chão sagrado onde germina
A semente do meu canto
São as palavras que eu digo
Meu abismo e meu abrigo
A semente do meu canto

Palavras a que eu entrego
Prazer e desassossego
Tormento e consolação
A quem pergunto e respondo
Quando me exponho e me escondo
Entre a crença e a razão
A quem pergunto e respondo
Quando me exponho e me escondo
Entre a crença e a razão

Palavras que reinvento
Meu desafio e sustento
Pedras de luz e de lodo
Companheiras do caminho
Maneiras de eu estar sozinho
Abraçando o mundo todo
Companheiras do caminho
Maneiras de eu estar sozinho
Abraçando o mundo todo

Palavras que só mereço
Se em troca do que lhes peço
Der tudo que posso dar
Se um dia as não merecer
Se um dia as não merecesse
Que as não consiga dizer
Que eu nunca mais as dissesse
E que eu deixe de cantar
E deixasse de cantar

Um dia se as não merecesse
Que as não consiga dizer
Que eu deixe de cantar

Um dia, se as não merecer
Se um dia as não merecer
Que as não consiga dizer
E que eu deixe de cantar

Friday, August 01, 2008

às vezes parece que deus tem o disco riscado!
não há quem levante a agulha e ponha o disco a andar mais à frente? uma nova música? hello?! uma música antiga? qualquer coisa que acabe com as provações parvas por que passam as pessoas que não merecem?
viva quem enlouquece nos momentos em que a loucura é útil! está vivo, provoca vida, faz nascer, e perdurar.
o meu sorriso de longe para quem um sorriso (insane) fizer sentido.

Monday, June 16, 2008

devoção ao lazer para trabalhar melhor

a partir de hoje cada momento sem trabalhar conta para o trabalho correr melhor - há que respeitar os momentos de lazer.
e há que poupar todas as palavras escritas fora da tese (que tentação!!)

Tuesday, June 10, 2008

raça, PR?

Mas ninguém acaba definitivamente com a palavra raça? Os antropólogos andamos há décadas a mudar o termo para etnia (como se vê, não tem adiantado muito); a explicar - fisicamente - que não há raças entre os humanos, uma vez que a espécie é só uma; a dizer - culturalmente - que as cores de pele têm a ver com a melanina; a contextualizar o termo, engavetando-o definitivamente nos regimes totalitários, abusadores de poder, ávidos pelo controlo sobre os outros; eu ironizo - a utilização do termo raça é, lá no fundo, inveja, uma vez que os utilizadores desse termo queriam era ter o tom de pele daqueles que dizem ter uma raça diferente.
De qualquer maneira, o PR já não sabe o que diz, coitado. É que a televisão só mostra a selecção, e depois dos 90 anos de Fátima celebrados este ano, o PR ficou confuso no tempo. Só tenho pena é do Camané, que não tem nada a ver com isto, e qualquer dia leva por tabela.

Monday, June 09, 2008

a minha rua e o euro

domingo de manhã, bue calor, na minha rua.
duas velhotas chegam ao seu carro, e embirram uma com a outra, como só os casais, os irmãos e os amigos de longa data se permitem embirrar (i.e., sem rancores posteriores).
e uma diz: então ontem, quem é que ganhou? e outra, quem é que ganhou o quê? e a primeira, o euro, portugal turquia, em que terra é que tu viveS? e a outra, ganhou portugal, quem é que havia de ser. pró queles ganham têm mais é que ganhar!

Friday, May 23, 2008

pedintes e moralismos outra vez

O metro é um lugar social. Uma senhora de 60 anos, na moda (uma permanente eighties), diz ao pequeno pedinte, "tu tens é de ir para a escola" e ele, "mas hoje é feriado", e ela, "ahn, não me interessa, não devias andar aqui a pedir". Ele e o irmão mudaram de carruagem e ouve-se o acordeão desafinado ao fundo. (eu também queria que ele andasse na escola e que não andasse há anos a juntar raivas contra pessoas que não olham, não dão, não nada)
E desde a Alameda até ao Campo Grande, veio a falar comigo, mal me deixando intervir, sobre os falsos pedintes, e que há uma senhora no Rossio que é deixada pela filha todos os dias a pedir e que a filha é bancária, e que há outro que dá cabo das crostas da perna, "nem sei como é que ele ainda não teve uma infecção", e eu só tive tempo, entre Alvalade e o Campo Grande, de deixar no ar uma pergunta fraquinha perante a impotência em resolver este incómodo dos metros e das ruas. o que é pior, perguntei, pobres que roubam ou ricos que roubam?

Monday, May 19, 2008

o tempo anda sempre. a pé, é verdade, mas anda. por isso demora a chegar num tempo em que se anda de carro e de avião.
se o tempo finalmente chegou a qualquer lugar, não tardará a partir. a pé, é verdade.
e enquanto se anda de carro ou de avião haverá que esperar depois como se fosse a pé percorrer a mesma distância.
quando se diz que o tempo é dinheiro, mente-se. quer-se apenas desviar a atenção daquilo que o tempo realmente é. o tempo é espaço percorrido. a pé, é verdade. mas é distância quando começa a andar e proximidade quando começa a chegar.

Thursday, May 15, 2008

O pedinte que fuma - e depois?

A Morais Soares é a rua mais agitada de Lisboa (de dia). Os passeios não são assim tão estreitos, mas as pessoas andam sempre a fazer figura de Mr. Bean atrás das velhotas, simulando facas para as matar porque andam devagar de mais. Outros passeiam-se em grupos sem reparar se quem vem atrás tem pressa ou não. Outros esperam sem ordem na paragem de autocarro, ocupando mais de metade do passeio. Resumindo, os peões não se compreendem mutuamente. Não há muitos pedintes, mas há pelo menos um de pernas esticadas - uma com coto, outra ainda comprida - que ocupam mais de metade do passeio. As pessoas conhecem-no como a um vizinho: ora ignoram ora cumprimentam. O senhor fuma o seu cigarrinho. Ponto.
Hoje ouvi uma senhora, que não lhe deu nada, dizer-lhe: "o cigarro faz-lhe mal", como quem diz, pois, anda a pedir, mas isso do cigarro não ajuda. Vamos lá ver: o cigarro faz mal a toda a gente. E há outras coisas que fazem mal, como ser paternalista e dizer estas coisas às pessoas, como se fossem crianças, como se não fizessem escolhas. O senhor que pede, vamos lá ver, eu até nem dou (só a quem mostra as suas artes na rua), não o estou a desculpar, mas que raio de autoridade tem a senhora para dizer o que faz mal? Ela sabe lá se ele já fumou 40 cigarros e agora fuma dois? Ela sabe lá se ele fuma dois em vez de tomar dois ansiolíticos por causa dos sonhos com a guerra? Porque é que ela não deixa estas frases para dizer aos seus (amigos, filhos)?
O senhor pedinte, que nos olha como quem nos quer conhecer e passar a dizer bom dia, com um coto na perna esquerda, que escolheu aquela rua para se instalar o dia todo fuma o seu cigarrito - e depois? Vai dizer à polícia?

Tuesday, May 13, 2008

Vaca - um, 1º de Maio - zero


Apesar de ser a cidade que dá nome ao primeiro 1º de Maio (que este ano fez 122 anos), Chicago dedicou-lhe uma escultura no lugar do crime apenas em 2003. O 1º de Maio não faz parte da identidade imediata da cidade de Chicago. Os guias turísticos privilegiam a arquitectura modernista e a dos arranha-céus nas suas diversas épocas, bem como o urbanismo. O grande incêndio do final do século XIX é também matéria prima da memória comum, especialmente a lenda do que atiçou o incêncio: estava uma senhora a ordenhar uma vaca de madrugada, com uma lamparina para ajudar a ver, quando a vaca dá um coice à dita cuja e o fogo começou. A vaca apenas foi ilibada da culpa no final dos anos 1990, num acto simbólico. Como se pode ver por estes dois exemplos, a construção da memória de Chicago parece ser recente, não fosse a cidade também recente, como todas as americanas. Por enquanto a vaca ganha ao 1º de Maio, mas a união recente de 150 sindicatos e o Mayday all over the (western) world ameaça incendiar a alienação orden(h)ada.

Friday, May 09, 2008

sears tower (103º andar)


uma pessoa vem de chicago, a cidade ventosa, e pimba, aqui também está vento e frio e às vezes as nuvens nem deixam ver para que ponto cardeal estamos voltados para não nos perdermos, como na cidade com menos ruas* que conheci até agora (acho).
aqui (Lx) as vistas mais altas, tirando as amoreiras ao fundo, ressaltam uma cidade à escala humana. espantosamente, em chicago, com duas das torres mais altas do mundo e uma data de arranha-céus na baixa da cidade (como se pode chamar baixa nestas cidades altas?), a cidade para lá da baixa tem também uma escala humana, bairros de casas de três pisos a perder de vista, em bairros sucessivos que apetece conhecer.
*tem menos ruas porque as que tem têm assim uma média de 10 kms de comprimento

Thursday, May 08, 2008

adivinha que cliché presunçoso é este*

os sentimentos não se controlam
não se controla o que acontece aos outros
ninguém é independente

saber estas coisas não implica saber viver assim

*resposta certa: só sei que nada sei

Monday, April 21, 2008

os escoteiros vão logo à braguilha

sexta-feira, restaurante cheio. bife à pimenta quase no fim. ainda bem que já tinha comido.
silêncio por um segundo. rapariga a dizer baixinho ai meu deus ai meu deus. está tudo virado para o meio do restaurante. está um tipo no chão, a sagrar do ouvido. caira sem amparo, do nada. está tudo a olhar. eu vai, meio segundo para apelar ao sangue frio, e viro-o de lado e depois desaperto-o. entretanto ele acorda e vai logo à braguilha, fechando-a e olhando para mim como quem diz o que é que estás a fazer. paciência para o que ele pensou. ele lá se levantou. a namorada chamou o inem a chorar. o empregado do restaurante limpou o sangue do chão a imitar calçada portuguesa. a ambulância chegou mais de meia hora depois. o grupo onde estava o tipo que caiu não jantou, ficou-se pelo pão e pelo paio. eu e amigos descemos a bica. eles diziam, pois pois, escoteira e tal, foste logo à braguilha, o rapaz até acordou logo.

Friday, April 18, 2008

Derby

às oito e dez da noite na quarta feira, cheguei à paragem de autocarro para esperar pelo 26 (sem guarda-chuva). às oito e vinte chegou o 16 e depois o 56, e depois o 16 e depois o 56, e depois dois autocarros "reservados". e depois o 16. eu queria o 26; lutando contra o pessimismo, esperei. às oito e quarenta comecei a vociferar todas as asneiras possíveis, passando por louca. às oito e cinquenta desisti. comecei a andar, sob a chuva, até à caixa multibanco. levantei dinheiro sempre a vociferar. a senhora que lá estava pareceu compreender. disse, esta chuva já não faz bem a ninguém. continuei a pé, já com dinheiro para o taxi, mas de taxi nem vê-los. andei desde a avenida de berna até à praça de londres, sob chuva, vociferando, compreendida pelos homeless, algo surpreendidos. apanhei o taxi vindo de um serviço, de certeza. quando entrei percebi logo porque é que a cidade deixara de funcionar - não foi pela chuva. o senhor do relato vociferava os passos dos milionários na "grama" molhada. o sporting perdia dois a zero. vai daí, já em casa, o sporting marca um, e outro, e outro, e outro, e outro. bem feita para o motorista (de certeza que era!) benfiquista do 26.

Wednesday, April 02, 2008

Não se faz isso

Ia muito bem no metro, hora de ponta, encostada à porta, quando reparo num cego e respectivo cão, daqueles lindos. Vai eu e pimba, festinha cão. E uma senhora, que quase me bateu na pecadora mão vai e diz, "não se faz isso. é um cão de trabalho". o cego, esse, não disse nada. e eu, ok, obrigada (pela lição). o cego saiu em roma, e de roma a alvalade a senhora explicou, é um cão de trabalho, são muito bonitos, mas não se pode, porque se muita gente o fizer, eles distraem-se do seu trabalho. ok, obrigada, sabia que era um cão de trabalho, mas não sabia que não se podia dar festas.
fez-me sentir como uma criança de cinco anos, repreendida por estranhos pela primeira vez, e como dormi pouco fiquei um vidrinho com a situação. quis dizer, em voz de birra mais o beicinho respectivo, que também quero um cão, ou um gato, para fazer festinhas, um pet de trabalho em minha casa, para ser bem alimentado e que, em retorno, se deixa afagar.

Monday, March 31, 2008

xana, és linda. é hoje que sai o 8 dos rádio macau

... a lua está longe e mesmo assim
dançar podemos sempre se quiseres...

Wednesday, March 26, 2008

investigadores que impedem outros de investigar

fui procurar um documento num centro de documentação. não estava disponível. a funcionária ligou ao último requisitante, que tinha levado o documento na altura do natal. o requisitante retorquiu que ainda precisava do documento. a funcionária disse, mas outras pessoas também precisam. venha devolver o dito cujo e, uma semana depois, quando a pessoa que precisa do documento o devolver a horas (ao contrário de si, seu parvalhão), pode voltar a requisitá-los. e ele, então mas não me pode dar mais uma semaninha agora? (agora é tarde, já teve três meses para ler!), não senhor, não pode, porque nunca chegou a justificar porque reteve em casa tanto tempo o documento. eu acenava, contente com a funcionária, e acenava de novo, confirmando que devolveria o documento uma semana depois.
na biblioteca do iscte agora pagam-se multas por cada dia de atraso. a repressão é lixada. a funcionária deste centro não quer chegar aí, e por isso ralha aos faltosos, que vão retorquindo pedidinhos e favorzinhos.

Monday, March 24, 2008

joão manuel serra, o senhor do adeus


Tudo isto é solidão? (perguntou-lhe a jornalista Ana Sofia Fonseca)

"Essa senhora é uma malvada, que me persegue por entre as paredes vazias da casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de sentir gente."


a imagem é de um blog que se chamava culto da ostra

Saturday, March 22, 2008

Rui Marques, o salvador da pátria

O Rui Marques foi meu patrão e não é mau patrão. Ele tem a candura das pessoas "boas", e depois é muito clean, diz coisas acertadas com a época, sabe o que faz. Anima os demais colegas a trabalhar em causas, privilegia os valores ausentes, não alinha em conversas passadistas.
Agora o Rui Marques está a juntar forças para fazer um partido, um bocadinho apartidário, um bocadinho ao centro mas contra o centrão, um bocadinho católico e um bocadinho revolutionary friendly.
É provável que o Rui Marques seja o que o tuga médio (passo o deslize arrogante) deseja para animar o país. É provável que ele ganhe muitos votos. É provável - temamos - que seja ele o D. Sebastião, o salvador da pátria como "todos gostamos". É só esse o problema. De resto, o Rui Marques não faria mal a uma mosca.
O Rui Marques, para todos os efeitos, vai ser um teste à memória do tuga médio (passo de novo o deslize arrogante). Será que alinha logo de xofre, ou será que pára para pensar que isto dos heróis é melhor desconfiar?

Thursday, March 20, 2008

manhã ventosa

saí de casa de manhãzinha, sem vontade nenhuma. mas porque é que não se respeitam as "vontades nenhumas"??
apesar de tudo, contente. ia fazer o passaporte electrónico, disseram-me que era necessário para is aos states (onde espero ir em breve). lá fui ao governo civil. afinal não era preciso. porque o meu passaporte tem "leitura óptica". óptimo, gastam-se menos 60 euros (podia era ter ficado a dormir mais uma horinha, ou a trabalhar). next.

buscar o resultado da ecografia na super eficiente CREAR, muito conhecida em Lisboa, fazem-se lá muitas análises. estaria pronto hoje. afinal não. está tudo atrasado 48 horas.
"então e porque não avisaram, para que serve o número de telefone que vos damos?"
sem resposta.
"quero escrever uma reclamação" (para não desatar aos berros).
se puder vir cá a seguir ao almoço, disse a senhora, talvez já esteja pronta.
"talvez?!", tentando - sem efeito - não elevar a voz. A senhora telefona não sei a quem. Depois:
sim, se puder vir, disse a senhora, pode levantar a ecografia às14:30h. E lá saí eu, beneficiada por ter reclamado o meu direito. next

na rua, a andar, vou falando sozinha. vociferando contra a CREAR. aproxima-se uma senhora que também vocifera. sentiu-se acompanhada, talvez. Ela pensava alto contra a ventania, e disse(-me) junto à passadeira: Vem lá da Espanha [o vento]; morreu pr'aí algum galego ou quê? Eu sorri. next.

sentei-me no metro e confirmei que realmente tinha morrido um galego, no livro que estou a ler (A Morte do Decano, do Ballester). ao menos que haja um evento destes num dia ventoso em que as actividades escolhidas nos saem todas falhadas... next.

ISCTE. Tenho coisas para devolver, até hoje, num centro de documentação. Fechado. na faculdade evito pensar alto. controlei-me. next.

ginástica. Finalmente algo para relaxar. Yoga. Mas não, afinal. Período de férias, explicou-me a funcionária, depois de me ter deixado entrar, vestir o equipamento, bater com o nariz na porta da sala. next.

a paragem de autocarro tem um mostrador com o tempo de espera há 6 meses, mas nunca chegou a funcionar. Vocifero. Para que serve aquela porcaria? não sei se tenho tempo para ir à padaria afogar as mágoas num pão com chouriço ou não. Arrisco ir à padaria. Fila. E não há pão com chouriço quando chega a minha vez. What else?

apanho o autocarro pretendido séculos depois, e engano-me na paragem, distraída com a manhã ventosa, a acabar. Já em casa, onde estou, o meu teclado é um saco de boxe. já não vou buscar exame nenhum às 14:30h.

Tuesday, March 18, 2008

shatush


este é o blog da minha tia ana,
que faz uns caxecois e luvas
e abat-jours e colares, e outras coisas,
tudo lindo

Monday, March 17, 2008

engraçado, o meu pai também me disse uma coisa parecida

"(...) Todos os grandes compositores estão a dizer-nos com os seus acordes e melodias - e até nos silêncios entre as notas - que a vida é longa, mas não tão longa como nós julgamos ao princípio. E que também vai ser muito mais dura do que alguma vez imaginámos; por isso, devemos criar toda a beleza de que formos capazes enquanto cá estivermos e ajudar todas as pessoas a quem amamos a fazer a mesma coisa. Também devemos ouvir-nos uns aos outros da mesma forma como os ouvimos a eles - e isso é muito, muito importante. E devemos ter a coragem de lutar contra tudo que comprometa a nossa própria beleza ou que, de alfguma maneira, a possa prejudicar. Todos os compositores verdadeiramente grandes estão a preparar-nos para vivermos correctamente e a dar-nos coragem para seguirmos com as nossas vidas o melhor que pudermos, mesmo que tenhamos cometido os erros mais imperdoáveis (...)"
Do Meia-noite ou o princípio do mundo (p.533), do Zimler
(fim de ciclo)

Att:
1) beleza, leia-se arte ou criatividade
2) grandes compositores - incluam-se os actuais

Friday, March 14, 2008

não esquecer

comparar infelicidades é um exercício inútil

Wednesday, March 12, 2008

(e é outras coisas também)

mas a luísa não vai, porque uma cidade é uma cidade. não é um coração à espera. quando muito, uma cidade é um coração que (des)espera.

Tuesday, March 11, 2008

carta para a luisa (ficção sobre o que eu gostava que fosse)


luísa,

não hesites. viaja até à terra para onde ele fugiu quando achou que era agora ou nunca. vai lá, diz-lhe poucas e boas, desta vez cara a cara. diz-lhe como deixarias tudo para estares com ele de novo; não tenhas medo - ele é que vai ter medo. mas dá-lhe as cartas todas, desta vez em mão.

vai, e quando ele abrir a porta beija-o na boca e deixa-o de rastos. não te importes com os "casos" dele, isso não é nada comparado com a espera que ele tem aguentado. é isso que ele espera de ti. e tu, o que esperas? vai e fá-lo perceber o que perdeu ele este tempo todo. os teus olhos, sobretudo, foi o que ele perdeu. porque se ele visse os teus olhos quando falas dele, podia perceber que a língua em que ele fala agora não tem palavras suficientes para explicar o que é difícil.

(roubei a imagem do google, claro)

Monday, March 10, 2008

www.phdcomics.com*

*graças à ana claudia, que me indicou este site, posso rir-me de mim mais vezes. não que eu perceba esta equação, longe de mim, mas para a imagem ainda lá chego

Friday, March 07, 2008

nunca mais o para sempre e o nunca mais

contra as palavras infinitas, uma apologia das palavras do zero. também é radical, mas é um bom princípio, para que as palavras dos números pequenos surjam naturalmente, aos poucos, sem desejos de infinito.

agora, nunca digas nunca tem um novo sentido: não é só que é mais provável que venhamos a fazer algo que dissemos um dia que nunca viríamos a fazer;
nunca digas nunca é uma cautela, contra a vertigem do definitivo. (a queda é grande). não digas nunca, porque estás a alimentar projectos de eternidade, para nunca e sempre mais.

para o dicionário das palavras do zero, começo por começo, ainda, e passo. (Porque) começar é a possibilidade, ainda é ainda ser possível, e passo é um de cada vez, como os dias.

Thursday, March 06, 2008

a locomoção

é bom que o único primata homo à face da terra seja sapiens, e tenha boas ideias como as muletas. e que não despreze os outros elementos que não podem mover-se como os demais, ao ter inventado a fisioterapia e as relações de amizade. gosto de ser sapiens. embora às vezes não me sinta sapiens sapiens. agora estou sapiens "lens"
:-)

Tuesday, March 04, 2008

Escultora: Gertrude Alice Meredith


pseudo-antropologia da cantina

Quando vou almoçar sozinha, tenho a tendência de olhar para as pessoas lembrando-me do facto de que pertencemos todos à única espécie humana de primatas. Como tal, partilhamos muitas coisas com muitos outros primatas, e diferimos do chimpanzé e do gorila em pequenos (alguns dizem que são grandes) pormenores genéticos. E, como tal, há uma infinidade de gestos que não são senão de tentativas de cativar, de manter a atenção dos insterlucotores, distracções ilustradas com pequenos gestos comuns, indiferença, satisfação, medo, insegurança, desconfiança. e depois há os apaziguamentos (atitudes agonísticas) que fazem manter tantas relações, necessárias para tantas coisas.

Mas aprofundemos a imagem de nós como só mais um primata (esqueçamos a parte homo, façamos de conta que somos qualquer coisa sapiens). Todos as invenções, desde a mesa da cantina com uma grade em baixo para pôr mochilas (que ninguém repara) à verbalização da necessidade de reposição do azeite nas linhas de tabuleiros, são adaptações, nada mais. Tudo para viver um pouco melhor (apesar dos enganos) e todos a viverem uma vida de uma espécie que um dia desaparecerá como já desapareceram tantos primatas (e só sobrou um da espécie homo, fazendo acreditar que somos o último). É impossível abarcar esta perspectiva sem nos afastarmos de tudo o que parte da consciência, ou do pensamento. Mas é possível imaginar, apesar da consciência de cada um, que estamos de fora disto a olhar para uma espécie em vias de extinção. É difícil imaginar, tendo em conta o efectivo real desta espécie. Somos muitos. Mas se andarmos para a frente um bocadinho, só um bocadinho - pode ser 10 mil anos, ou quem sabe nem mil - e se fingirmos que somos doutra espécie, a olhar para esta, é esquisito:

lá está o homem a pavonear-se para a mulher e vice-versa. lá está a mulher a tentar manter uma amizade com um elemento do mesmo género. lá está a criança a chamar a atenção dos pais. lá estão aqueles machos e aquelas fêmeas a disputarem lugares de destaque nos seus diferentes grupos. lá está aquele casal a mostrar que é um casal. lá está alguém, a afastar-se sem coacção de um grupo que já não o vê como alguém do grupo. ou coagido. lá estão aqueles a mostrar a outros o que fazem e como fazem, e os outros que os copiam. lá está, tanta coisa que pode ser só isso, uma função biológica ilustrada de cultura (em dinâmica permanente, em dinâmica permanente, em dinâmica permanente)

Monday, March 03, 2008

Os barulhinhos da cafeteira italiana

Estava a tomar o pequeno-almoço quando a minha máquina de café começa a fazer um som, sozinha, já depois de verter o café na chávena. Tipo a pingar. Desmanchei as três partes, tirei as borras do café ainda a ferver para o lixo, despejei a água que ficara no reservatório (em excesso, porque tem andado a funcionar mal), e deixei-a a pousar no lava-louças, desmembrada. E não é que, voltando a sentar-me e a tentar ler o pouco que conseguira ainda do jornal, a máquina volta a fazer o som? "A minha máquina de café não está boa da cabela", disse, alto, felizmente sem ninguém para ouvir. Fui outra vez ao lava-louças, separei mais as partes da máquina. Era óbvio agora que o som vinha daquela parte da máquina onde se põe o café, tornando óbvio também que a parte que não estava a funcionar bem, e que por isso só faz metade do café que é suposto fazer. Tentei, então, enquadrar este acontecimento (em silêncio, pelo sim, pelo não):

(1) a máquina de café italiana do IKEA faz parte do sindicato das máquinas de café e ficou chateada por eu andar a dizer mal da Nespresso, uma sua companheira.
(2) ou então, se bem me lembro a máquina deixou de funcionar quando se acabou o café do Comércio Justo e fui comprar café capitalista. A minha máquina é solidária!

Quando a máquina deixou de funcionar bem, troquei-lhe a borracha, que o IKEA fornece em duplicado. Fiz um "circuito" só com água (sem café) e funcionou bem. Mas com o café, não faz mais do que metade. Tentei desentupir o que poderia ser entupível (diz-se?), confirmei que saía água de todos os buraquinhos da parte do reservatório que parece um chuveiro, voltei a fazer "circuitos" só com água - impecavelzinha, como diria a minha ex-sogra - e o café continuou a subir só pela metade. Agora, depois dos barulhinhos e da personificação definitiva da máquina de café*, agora já percebi - a máquina percebe-me. Ela sabe que eu só devo beber meia cafeteira, que o café em excesso faz-me mal.

E agora já percebi porque se guardam as cafeteiras italianas nos armários quando deixam de funcionar. Mas se a guardar, desculpa lá cafeteira, mas não vou comprar uma Nespresso, embora prometa que não volto a dizer mal. Eu gosto de moer o café e do som do "circuito" do café.

*seguindo a sugestão de personificação de uma caixa esburacada deixada no lixo, por Gonçalo M. Tavares, última Visão (28.02.2008)

Tuesday, February 19, 2008

barrancos 1991

o passado é um país estrangeiro, disse alguém com grande sabedoria. visitar o passado nem sempre é mau. parece haver uma mania anti-nostálgica... é verdade que não regressar desse país é demais - como é demais imaginar muito o futuro.
finalmente dei-me um visto no passaporte para visitar esse país. lá, ando de terra em terra em poucos segundos.

há 17 anos fiz o meu primeiro mini-trabalho de campo etnográfico. em barrancos. estava apaixonada, por isso não me lembro do frio. o sting tinha editado um album a solo, que eu ouvia sistematicamente - fields of barley era o que tinha pela frente, enquanto apanhava vento numa boleia de pick up da amareleja para barrancos. levávamos dois rolos de fotos a preto e branco e um a cores. os a preto e branco foram à vida. a meio dos três curtos dias, vieram ter connosco dois amigos que iam fazer rapel pró castelo de noudar. só visto. nós não vimos, porque estávamos a entrevistar alguém. eles deixaram-nos um recado malicioso junto dos sacos-cama, como quem diz, "pois, pois, trabalho de campo e tal...", um papel cheio de desenhos e indirectas. onde está? para que saibam, era só mesmo trabalho de campo
(mas tanto o trabalho como as noites em directa a ouvir o meu parceiro dormir tornarar-se-iam pequenas regiões do passado para visitar com calma)

ao terceiro dia, levaram-me um pão doce para o pequeno-almoço, mas dali a meia-hora estávamos a re-experimentar a hospitalidade dos barranquenhos com uma mine matutina. nos dias anteriores, levaram-nos de pick up a todo o lado - aos fornos de tijolo, de carvão, de cal; à pedreira de xisto rosa; às obras em casas que levavam o precioso xisto. mostrávamos as nossas filmagens nos bombeiros, que nos tinham dado guarida. vimos montanhas de azeitonas por comer, soubemos de histórias locais, contaram-nos sobre os touros, mostrando a praça quadrada, e sobre passar a fronteira a salto com café às costas.

é bom poder visitar esse país, repescar as sensações, os cheiros (estevas!), mesmo sem fotos a preto e branco.

Friday, February 15, 2008

o mel é a luz do sol materializada*


*esta ideia está no Meia-noite ou o princípio do mundo, do Zimler (sim, ainda não enjoei)

Thursday, February 07, 2008

ode ao sol e ao sal

provérbio: "nada mais é útil do que o sal e o sol"
alguém me disse um dia: comer uma rodela de ananás é como comer uma fatia de sol
e agora lembrei-me, o sal é um sinal de mar e do mar

Tuesday, January 29, 2008

vuit, vuiuu

já não bastava a poluição sonora comum (ordinária em ambos os sentidos), agora temos poluição sonora extraordinária (em ambos os sentidos também) de 20 em 20 segundos, em qualquer anúncio da sagres perto de ti.

Friday, January 25, 2008

Queridas vacas açoreanas,

Lamento muito que tenham obrigado metade de vós a deixar de produzir o vosso maravilhoso leite há uns anos atrás. Parece que a Europa andava a produzir muito leite e decidiram que vocês ficavam melhor na paisagem do que com dispositivos sugadores de leite. Em parte até é verdade. Mas afinal a Europa não produziu assim tanto leite e agora o leite vai aumentar outra vez (parece que há outras razões, mas essas não compreendo porque - acho que - fazem de propósito para manter algumas linguagens muito distantes da compreensão dos comuns mortais).

ps: gozem as paisagens por mim e evitem os matadouros - diz que é pior do que dar vazão ao leite. por mim, vou comprar uma palete de leite antes do 1 de fevereiro, dia em que o leite aumenta 10 cêntimos...

Friday, January 18, 2008


O Zimler respondeu-me! Afinal há pessoas conhecidas que lêem emails grandes dos seus admiradores. Foi muito simpático!

Vou comemorar na Astro e passar à beira da Igreja da Madalena, a Sétima Porta de uma certa Cabala...

Thursday, January 17, 2008

Carta de agradecimento a Richard Zimler

Caro Richard Zimler,

Só pelo facto de lhe escrever, sinto-me honrada e meio envergonhada, tendo em conta que o Richard escreve tão bem. Adiante.
Não li todos os seus livros. O primeiro que li foi Goa, ou o Guardião da Aurora, que foi daqueles livros que me dão a sensação de estar a ler o melhor livro do mundo. Quando leio um livro destes não descanso enquanto não consigo encontrar pelo menos mais um leitor, animando-o a ler a fantástica obra que acabei de ler. Assim fiz.
Recentemente li À Procura de Sana, uma história que, inesperadamente, me ajudou a encarar alguns sentimentos que ainda não ousara, desde a morte recente de um amigo. Felizmente tenho a pastelaria Astro perto de mim para matar as saudades (e a gula).
E, um livro depois, doutro autor (que, já agora, e por acaso tem - também - um violoncelista em pano de fundo), li A Sétima Porta. Não costumo ler livros com mais de 400 páginas porque tenho sempre a sensação que não irei chegar ao fim. Mas este livro foi-me oferecido no meu aniversário, por um amigo que já leu todos os seus livros, e a quem acabei de emprestar este último, depois de terminado.
Com A Sétima Porta, reiterei a minha teimosia em não ter lido as “procuras do Santo Graal”, como lhes chamo, que abundam nos mo(n)struários das livrarias. Reiterei ainda, que a leitura pode ser fácil, sem ser light.
Recentemente, numa das conversas de cantina da universidade, uma colega – que admiro – diz, reportando-se ao Richard, que eu elogiava, que “esse é daqueles escritores de best sellers?”, mas disse este termo como se fosse o mesmo que literatura light. Como não sou muito assertiva, não lhe referi algumas das obras literárias mais fantásticas da história que se tornaram best sellers. E, não o fazendo, tive dificuldade em responder-lhe à letra. Disse-lhe que para quem passava muitos dos dias a ler coisas complicadas (como nós, investigadoras em antropologia), era bom encontrar romances como os seus. Disse também outras coisas de que não me lembro.
Bom, queria dizer-lhe isto e enviar-lhe um grande bem-haja o teclado do seu computador ou a sua caneta, ou ambos.
A Sophie é a única personagem central possível na Berlim dos anos 30. Fico com tantas saudades do Hansi, da Vera e do Isaac depois de fechar o livro… Acho que vou oferecer A Sétima Porta, este ano, a todas as pessoas para quem era tão importante ler este livro. Não são alemãs, nem judeus. Só pessoas que sofreram com o cancro dos pais, com a morte de um companheiro, com o olhar desaprovador dos outros. E todas as pessoas que já se esqueceram do que é ser adolescente, e da beleza da sua força (em todas as direcções). E pessoas que amam Berlim e as cidades com histórias fortes, e que sonham desembarcar em Istambul, como eu, e ficar a olhar o Estreito do Bósforo até não aguentar mais.
Felizmente tenho a Igreja da Madalena perto de mim para matar saudades.
Obrigada pel’ A Sétima Porta.

Monday, January 14, 2008

Rilke, transcrito por Zimler, na Sétima Porta

Todas as coisas são os corpos dos violinos, cheios de uma escuridão murmurante;
lá dentro há sonhos das lágrimas das mulheres, lá dentro remexe, enquanto dorme,
o ressentimento de gerações inteiras...
Eu espalharei prata: e então, tudo o que está sob mim passará a ter vida,
e aquilo que nas coisas erra [,] lutará, procurando a luz...

Este é um poema de R.M.Rilke, n'A Sétima Porta, o maravilhoso livro de Zimler sobre os anos 30 em Berlim, onde se descobre a história da personagem central, e narradora, uma adolescente lutadora (só uma adolescente lutadora sem noção de algumas coisas mas com tanta noção de outras poderia ter tanta força e poderia ser tão credível na sua força para aquela fase de Berlim...)

É mais um testemunho de que a liberdade de pensamento é a mais importante - tanto na história que é contada como na forma como é descrita.

Thursday, December 20, 2007

As intermitênias da morte

Já há mais de cinco anos que não lia um livro de Saramago. Depois do Ensaio da Cegueira, que me pôs num pranto exactamente a meio do livro mas que me trouxe a felicidade de sentir mais enquanto lia, não consegui ler mais nada dele, porque nenhum começo me trazia expectativa de um sentimento semelhante.
O número de páginas (menos de 200) e o título, e a maestrina (como se chama?) a dizer que gostaria de fazer deste livro uma ópera, fizeram-me ler As intermitências da Morte.
Não é sobre a morte, afinal. Até é, mas não como imaginamos pelo título. Mais perto dela do que antes, imaginei que Saramago cairia na tentação de experimentar reflectir sobre a proximidade dos velhos com a morte. Também lá está, mas este livro é sobre a vida e sobre o amor.

Quase no final do livro comecei a ouvir tocar uma música na parte de trás da cabeça. Quando a leitura faz sentir mais, descanso finalmente sobre a impossibilidade de viver tudo. E quando Saramago põe cães nos romances, este sentir está quase garantido. E fico a gostar mais de cães, mesmo com medo.

Thursday, December 13, 2007

para sempre é muito tempo porque soon this place will be too small

deixar qualquer coisa para sempre e guardar qualquer coisa para sempre é muito tempo.
variações:
ser livre para sempre e estar preso para sempre, ser egoísta para sempre e ser altruísta para sempre, ser aluno para sempre e ser professor para sempre, ter uma profissão para sempre e ser desempregado para sempre, ter um amigo para sempre e perder esse amigo para sempre,
sonhar para sempre e ter os pés na terra para sempre - é muito tempo. o tempo é muito mais do que a eternidade. é cada bocadinho. olha agora! não se pode reviver o passado para sempre nem fantasiar com o futuro para sempre. não se pode perder tempo para sempre nem viver cada segundo para sempre. não se pode, enfim, ter certezas para sempre ou duvidar para sempre.

Friday, November 30, 2007

a sophia veio ao mundo para eu ter como rezar*

Eu chamei-te para ser a torre
Que viste um dia branca ao pé do mar.
Chamei-te para me perder nos teus caminhos.
Chamei-te para sonhar o que sonhaste.
Chamei-te para não ser eu:
Pedi-te que apagasses
A torre que eu fui a minha vida os sonhos que sonhei.


*porque os poetas vêm ao mundo para os ateus terem como rezar.

Wednesday, November 28, 2007

irrito-me com...

... a malta na biblioteca a falar ao lado dos anúncios colados na parede a dizer silêncio. distraem-me para aqui, por exemplo, em vez de para ali, os meus documentos com suas pastas e respectivas resmas de papel por preencher

Friday, November 23, 2007

ainda bem que não gosto assim tanto de cerveja

a palavra orgulho é utilizada versus vergonha e é por isso que se fala em orgulho gay (para que os que estão no armário tenham onde ir buscar forças para dele sair - divagação minha). por isso, orgulho hetero não faz sentido utilizar numa campanha publicitária - a da Tagus. uma pessoa hetero pode ter muito orgulho em sê-lo, mas a utilização do termo orgulho (de pride) não deve esquecer o seu contexto.

instituto de higiene e medicina tropical (ihmt)

antes de viajar no verão passado fui atempadamente ao instituto de higiene e medicina tropical "levar" duas vacinas. mas não havia a vacina da febre tifóide (numa altura cheia de gente a querer "levar" essa vacina) nem estava em lado nenhum uma informação a dizer da falta da vacina. por isso os ansiosos pré-viajantes esperaram, como eu, quase duas horas para saber que não iam "levar" a vacina.
e pimbas, depois de me chatear ao vivo, fui ao livro de reclamações.
ontem liga-me um senhor do ihmt, que estava a redigir a carta de resposta à minha reclamação. e, disse ele, reparei que a sua reclamação se referia a julho e não a setembro.
?
pois, porque em setembro houve uma ruptura de stock, mas em julho não.
em seguida, o senhor passou o resto do telefonema a desabafar comigo, sobre como já tinha dito tantas vezes ao director de serviços que esta é uma situação lamentável, que cada vez há mais pessoas que precisam das vacinas para viajar, e parecem haver por aí umas orelhas moucas à procura crescente da tifóide.
isto tudo como quem diz, eu já disse mas não me ligaram nenhuma e é bem feita que pessoas como a senhora reclamem. obrigado, disse ele, e eu, disponha.

Tuesday, November 20, 2007

com esta chuva já andam os jacarandás a perder as folhas, mas serão os primeiros a florir, isso é certinho como esta cidade se chamar lisboa.

Friday, November 16, 2007

olhos nos olhos (dia 4 novembro 2007)

"Já que temos que gramar com a globalização económica, ao menos que tenhamos o prazer da globalização cultural"
Maria do Céu Guerra, actriz, a propósito dos contributos dos imigrantes na sociedade portuguesa

Friday, November 09, 2007

Ano novo vida nova

(saquei esta foto do google pictures)
Hoje é o último dia do ano hindu. É o dia de divali, a festa das luzes, às vezes comparada ao natal cristão. Neste dia comemora-se a chegada a casa de Rama após 14 anos de exílio. Nesta noite acendem-se pequenas lamparinas para guiá-lo até casa, nesta que é a noite mais escura do ano (hoje é também lua nova).

Amanhã começa um novo ano. Pintam-se à entrada das casas tapetes de boas-vindas com motivos religiosos, de forma bastante colorida. Também os templos e as casas são pintadas nesta altura do ano que, na Índia, corresponde à época do ano pós-monções. Uma grande variedade de doces é exposta nos templos e os vizinhos trocam doces confeccionados em casa ou comprados na rua. Recentemente há também prendas para as crianças.

Wednesday, November 07, 2007

para a laura e para o joão (recentemente embarcados na aventura da m/paternidade)

apesar de todos os caminhos sinuosos por onde têm passado, admiro-vos por serem duas pessoas corajosas, bonitas, grandes! ajudam-me a relativizar as agruras e fazem-me bem aos abdominais cada vez que estou convosco, por causa do riso que provocam. obrigada por existirem, mesmo vos veja pouco.

Tuesday, November 06, 2007

de Lavoisier a Cronos

já rezo ao Lavoisier há muito tempo mas ele ainda não atendeu as minhas preces.
acho que é porque me cinjo ao tempo curto da mudança e não consigo consciencializar o tempo longo da transformação da matéria.
por isso, apesar de o livro de mitologia clássica dizer sobre Cronos"deus do tempo", sem mais explicações, vou tentar rezar a este.

Friday, November 02, 2007

Lavoisier

Deus da transformação eterna de toda a matéria. Disse: "na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
(amen)

Wednesday, October 24, 2007

afinal abrir a caixa de Pandora não tem de ser mau

Esperança
1. uma divindade antiga
2. um espírito bom deixado na caixa de Pandora depois de aberta

Tuesday, October 23, 2007

Eco

Uma das filhas de Gaia. Foi uma das ajudantes de Hera e confidente das amantes de Zeus. Foi impedida de falar pela invejosa Hera.
Amante de Pan e de Narciso. Porque Narciso não retribuía o seu amor, esvaiu-se, transformando-se numa pedra que continua a reter o poder da fala.

Saturday, October 20, 2007

Safe


Um filme aparentemente sobre uma doença causada pela agressividade do ambiente urbano, Safe pode dizer muito a quem se encontra numa situação de ilusão de ter encontrado uma resposta para as suas perguntas difíceis.
Depois de ver este filme (foi a minha irmã que mo aconselhou) percebi melhor que é preferível desconfiar de todas as ideologias, filosofias e/ou religiões que respondem a tudo o que é difícil responder.

Prémio muda a forma mas não melhora o conteúdo

Pedro Mexia: "sempre que estou descontente com um texto, mudo o tipo de letra"
(hoje, no Público)

Friday, October 19, 2007

Quimera

Um monstro que respira fogo com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente. Foi vencida por Bellerophon. De acordo com Hesiod, a Quimera era filha de Hidra, mas outros dize que é filha de Tifon e de Equidna.
Hidra - serpente de nove cabeças
Tifon (também Tifeu) - o filho mais novo de Gaia e o gigante mais monstruoso
Equdna - metade mulher metade serpente. Alguns dizem que foi mãe da Esfinge; outros dizem que foi mãe de Quimera.

Thursday, October 18, 2007

Durga - por estes dias, a deusa por excelência


Deusa hindu, durga quer dizer em sânscrito a inacessível. É a mãe de Ganesh, de Saraswati e de Lakshmi.

É a personificação máxima da energia feminina e criativa shakti.
As suas montadas mais comuns são o leão e o tigre, mas dentre algumas das suas manifestações podemos ver montadas de cabra, de galo, de crocodilo, de burro, entre outras.

Na primeira metade do último mês do calendário hindu (que é lunar), durga é adorada nas suas diversas manifestações. Desde a lua nova até um gordo crescente. Nos primeiros nove dias dessa metade de mês (que este ano calha agora) a melhor forma de agradar a deusa é dançando e cantando em volta de um seu altar.

E é melhor agradar a deusa. Pelo sim, pelo não.

Wednesday, October 17, 2007

Etna - ninfa siciliana e Vulcão, o ferreiro

O monte Etna foi assim chamado devido a esta ninfa siciliana. Zeus aprisioou os gigantes debaixo desta montanha. Vulcão tem ali a sua oficina.
Vulcão - o nome romano para o deus do fogo. Estabeleceu uma grande fundição no coração do monte Etna, em parceria com os Ciclopes.

Tuesday, October 16, 2007

Bellerophon

Neto de Sisyphus. Filho de Glaucus e Eurímedes. Um dos sete grandes destruidores de monstros. Venceu a Quimera. Tentou voar até ao firmamento no cavalo alado Pégaso e caiu.

Monday, October 15, 2007

where do you go when you're lonely?
where do you go when you're blue?

Friday, September 28, 2007

libélula vermelha - contributo

libélula no parque nacional da malásia

se deus existe ele dá mesmo nozes a quem não tem dentes.
assim sendo, pode ser que escreva mesmo a direito por linhas tortas.

Wednesday, September 12, 2007

do coração para cima

o meu pai viu o funeral do Pavarotti na televisão, incitando os demais presentes em casa a ver também.habituada à sua forma de sentir as coisas, não estranhei o ar atento, como quem procura decifrar um anagrama, à procura dos esgares de cada pessoa presente na igreja, quase sentindo como se ali estivesse.

na missa do funeral do Pavarotti, cantada, diga-se de passagem (daí o interesse particular do meu melómano progenitor), os presentes volta e meia batiam palmas prolongadamente, à espera que o artista ouvisse (era bom não era?).

o Pavarotti foi uma vez chamado ao palco cento e trinta e tal vezes depois da actuação, o que se tornou um recorde do Guiness. O Pavarotti, contou o meu pai, cantava de ouvido, não aprendeu música, mexia-se apenas do coração para cima, incluindo, note-se, todos os músculos da cara, em concentração absoluta no seu precioso instrumento (do coração para cima).

quando a sua voz já começava a ser uma sombra do que era nos seus tempos áureos, dedicou-se então a causas que não me atrevo a questionar a partir dos meus cantinhos burgueses (seja da escrivaninha limpa a óleo de cedro, seja do gabinete com net rápida) .

ao gosto das ligações improváveis entre pessoas, entre dos corações para cima, o Pavarotti É amigo do Bono. O Bono, por sua vez - à semelhança do que o cantor lírico representa para o meu pai - cataliza memórias de concertos (vistos e sobretudo não vistos).

resumindo e concluindo, assumindo uma ligação improvável entre estes factos, a voz é uma coisa importante, que no caso do Pavarotti (um brinde em memória) e do Bono (um brinde à sua vida) fica guardada em milhões de cópias.

Wednesday, September 05, 2007

11 de Agosto de 2007,Parque Nacional, Malásia

tudo sobre sanguessugas


a foto não é minha porque estava a chover de mais para tirar fotos. Mas isto é uma sanguessuga pequenina, que não consegue evitar pegar-se às peles dos animais que encontra para poder crescer.

a sanguessuga tem duas bocas - uma em cada extremidade do corpo que é para quando anda (ou melhor, trepa), experimentar chupar o sítio onde se agarou a ver se tem sangue.
Se ela apanha uma bota, trepa até à meia e depois à perna.
Se a pessoa - que pensa ser precavida - leva calças, a sanguessuga trepa até encontrar pele, isto é, até à barriga, se tiver uma daquelas t-shirts de gaja que quando a gente se estica, aparece o umbigo;
até ao sovaco, se a mesma t-shirt de gaja for de alças;
até ao peito, se não levarmos sutiã porque ficou encharcado da caminhada do dia anterior;
até às costas, como já entrou na t-shirt não há nada a fazer;
até ao ninho da orelha, para gáudio dos animais da floresta que eu não vi mas que por lá andavam, pois ouviram uma nova espécie a dar rédeas às cordas vocais como quem quer assustar a menina pegajosa que acabou de achar uma mini-veia dentro da orelha.

as saguessugas, pode-se ver na net, não se devem arrancar da pele. Devem ser afastadas através de, por exemplo, a ponta de um cigarro aceso ou sal. 1. Claro que a malta nas caminhadas está mesmo a pensar levar um cigarrinho e 2. com a chuva que estava a cair era impossível fazer alguma coisa que não fosse andar para a frente para acabar com o trilho de uma vez por todas.

Thursday, July 19, 2007


Um poeta resolveu editar os seus poemas numa antologia. Na aldeia onde ele nasceu, que é muito longe e que fica para lá de uma pequena cidade muito longe daqui, cresceu um girassol de dimensões gigantescas. Estas duas notícias apareceram no mesmo jornal em secções diferentes.

Friday, July 13, 2007

a barriga da joana

a barriga da joana está enorme. quando encostei o ouvido, ouvi um rio a passar por pedrinhas. estaria a barriga a sonhar? ou a gente quando ouve uma barriga lembra-se de coisas semelhantes às que as crianças dizem quando vêem a lua?

Wednesday, June 27, 2007

o boxeur


na semana passada passou por aqui, iscte, o Wacquant. assim tratado parece ser o colega do lado, mas é professor conceituado em sociologia urbana.

no final dos anos 80 decidiu que, para estudar melhor o gueto em Chicago, se inscreveria numa academia de boxe. assim o fez e, desses anos de experiência de boxeur quase profissional resultou um excelente documento etnográfico chamado "o corpo e a alma".

na semana passada vi o magrinho Wacquant, inimaginável como boxeur, se não fossem as fotos como a que aqui trago.

terra a terra, muito acessível (não deviam ser todos assim nas universidades, recheadas como rissóis, de narizes levantados?), apresentou uma comunicação, que não pude ver, sobre a difusão do conhecimento etnográfico. Agora vou à procura da gravação, uma vez que a sua comunicação foi produto de umas notas rabiscadas na noite anterior. Pode ser que ele publique algo sobre isso.

entretato, releio artigos seus sobre o conceito de gueto. quem dá o corpo e a alma terá reflexões ajustadas.

Friday, May 18, 2007


Monday, April 23, 2007

no pacífico

é tão incerto estares em qualquer lado e no entanto era tão importante que estivesses. vou fazer de conta que atravessas o pacífico numa jangada. demoraste a partir. a âncora talvez estivesse presa. agora está uma data de gente no porto, ainda não atravessaste a linha do horizonte, as pessoas não se vão embora enquanto não atravessares. como não levas remos vens e vais ao sabor das marés, e olhas também o cais. o céu e o mar teimam em rimar com os teus olhos e o sol com o teu cabelo. é claro que vais de azul! no porto formamos uma massa de gente desfocada, acenando ou deixando os braços ao lado do corpo.

Wednesday, March 28, 2007

líderes que chucham no dedo (mesmo)

cantina: 13:00h. há um grupo de raparigas à minha frente. uma delas (a) argumenta com outra (b). c, d e e observam e aprovam os argumentos de a. a é bonita, gesticula largamente e faz caretas agressivas. é claramente a chefe daquele grupo. em breve, b desiste e começa agora a sorrir de forma agonística [sinal de submissão para "acalmar as hostes" posterior à agressão doutro].
noutra fileira de mesas deixei por momentos de observar este espectáculo, para me concentrar no empadão de arroz com (poucos) legumes. mas volto a olhar:
agora a chucha no dedo (!!!!!!!) e faz-se festas em roda do nariz com a mesma mão, como uma criança que vai adormecer, e que não sabe que os seus gestos inatos um dia desaparecerão. depois da refeição, a está simplesmente com sono, e repete o seu gesto inesperado (inúmeras vezes, mesmo depois de eu me beliscar e abrir e fechar os olhos com força) com a mesma segurança de quem fuma um cigarro. b, c, d e e agem como quem já conhece este gesto. cada uma delas tem gestos de sono aceites (bocejam, enrolam caracois no cabelo, esfregam os olhos, sugerem um café). só a líder pode chuchar no dedo.

Thursday, March 15, 2007

Era uma vez uma velha muito velha

Pensava que estas pessoas só eram verdadeiras nos contos fantásticos. Era uma velha muito velha a andar muito depressa. Com umas olheiras muito grandes e covadas, como se de cada lado estivesse pendurado um quilo durante muito tempo. E tinha também os beiços caídos, muito caídos, como as olheiras. A sua expressão parecia ter parado num tempo em que ficou triste, muitos anos atrás. Passou por mim na avenida de Berna. Talvez fosse a caminho da ilustração de um livro.

Friday, March 09, 2007

disfarces

Como vivem os que andam sempre disfarçados?

Podemos andar sempre disfarçados?

Como vivem as pessoas com menos disfarces?

Friday, February 09, 2007

Em homenagem ao O'Neill, tímido desenfreado, e para os amigos, em homenagem também

AMIGO

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!

"Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

"Amigo" (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
"Amigo" é o contrário de inimigo!
"Amigo" é o erro corrigido
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada!

"Amigo" é a solidão derrotada!
"Amigo" é uma grande tarefa,
É um trabalho sem fim,
Um espaço sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
"Amigo" vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca

Wednesday, February 07, 2007


SIM


Quando houver um referendo sobre quando começa a vida ou sobre se somos a favor do aborto ou não, logo haverá outra discussão. Como agora o referendo é sobre a despenalização das mulheres que abortam até às 10 semanas, para mim é demasiado evidente.

Porquê?
1. porque sou pela maternidade (e paternidade) responsáveis
2.porque actualmente há clínicas a fechar as suas portas às 19h e a fazer abortos em horário pós-laboral, sem pagar impostos e a receber balúrdios
3. porque a mulher que aborta num estabelecimento legal de saúde tem de certeza mais acesso ao planeamento familiar do que quem aborta clandestinamente
4.porque era escusado tanto aborto cirúrgico. se as mulheres se sentissem mais à vontade para falar com um médico mais cedo...
5. porque actualmente, quando uma mulher aborta por razões naturais, não tem acesso a todos os medicamentos exsitentes, que teria se o aborto estivesse legalizado. e ainda por cima, muitas dessas mulheres são tratadas com desfiança ao chegar ao hospital com sequelas. nos países onde o aborto está legalizado, estã disponíveis determinados princípios químicos que em Portugal não existem devido à criminalização do aborto (a pílula abortiva, segura até às 7 semanas e sem sequelas como aqueles comprimidos para o estômago, o Citotec)

mais razões:
razão cristã: porque não sou ninguém para julgar a outra
razão egoísta: porque pode acontecer-me a mim e não quero que haja a possibilidade de haver um parvalhão qualquer que me faça ir fazer um exame gineclógico à força, depois de abortar, por achar que eu terei feito um crime (é que apesar de não haver mulheres que abortaram na prisão, há dezenas que foram sujeitas a isto antes da "abslvição" no tribunal).

e vou votar porquê?
1. porque sou teimosa em acreditar na democracia e gosto mesmo de votar, desde que tenho direito. imagino sempre quando as mulheres não tinham direito a votar. se vivesse nesse tempo, seria sufragista de certeza.
2. porque participei na recolha de assinaturas para a realização deste segundo referendo. foi uma experiência extraordinária falar com tanta gente na rua, e perceber as diversas vozes e as várias opiniões. e que estranhei ao princípio que há mais gente jovem do que velha, contra.
3. porque gostava que ninguém tivesse de abortar, mas já que acontece, que as mulheres que o fazem, que tenham condições iguais para todas à partida.

Monday, February 05, 2007

optimismo

sempre que vejo uma gaivota em entre campos não sei se hei-de pensar que anda perdida ou que anda em busca. de qualquer forma, é uma esperança de mar. aberto, azul, ruidoso, radioso.

Monday, January 29, 2007

Sari


O sari. O sari é a roupa mais democrática que conheço relativamente à beleza das mulheres. O sari fica bem a todas as mulheres, magras, gordas, altas, baixas, cuzudas e mamalhudas. Dá uma graça especial ao andar. O sari são seis metros de tecido fluído, às vezes algodão, às vezes seda, às vezes acrílico. As modas renovam-se de seis em seis meses. As solteiras não usam praticamente sari. As casadas usam saris coloridos, as viúvas usam saris de cores claras. Ficam sempre graciosas. Velhas, novas, mães, tias, avós, primas e cunhadas. De cabelo curto ou comprido; de narizes grandes ou discretos; de olhos claros ou escuros; com ou sem joanetes; com ou sem pneus; pernas curtas ou de girafa, e por aí fora.
Estender um sari ao sol é como estender um lençol com mais do dobro do comprimento de um lençol normal. E seca num instante. Tem de se ter cuidado para não bater nas janelas do vizinho de baixo, a menos que se queira dizer-lhe alguma coisa. O sari não envelhece como as mulheres que o vestem. Passam as modas e podemos, com ele, fazer capas para almofadas, colchas, estojos, e por aí fora.
O sari, por outro lado, desliza. É sensual. E por aí fora.

Tuesday, January 09, 2007

Friday, January 05, 2007

impressões do ski em catadupa: desafio ultrapassado


os skis são pesados, as botas fazem mal às varizes, os mecanismos de acesso às pistas são terroríficos, a aprendizagem (minha) foi lenta, aos poucos comecei a gostar, depois de muita birra e dores nas pernas e medo das descidas.
e pensar volta e meia que o preço de uma semana dava para estar uma semana em cabo-verde, e que a paisagem dos pirinéus dá vontade de tirar os skis e pôr-me a passear.

talvez volte, talvez volte, vencido o desafio de ultrapassar o medo.

coisas fixes: rir a bandeiras despregadas das minhas próprias quedas; contabilização das nódoas negras; pequenos-almoços enooormes, banhos de imersão todos os dias; encontrar as semelhanças entre a estância de ski e as praias do jet7 e, last but not least, no 5º dia de formação já descia a dizer yuppiiii e não a dizer aaaaahhhhhh

obrigada a quem me levou lá. foi pena não ter nevado

Wednesday, December 20, 2006

segredos

há dias deparei-me com informações que não posso divulgar. foram-me reveladas em entrevista, já em off por casualidade(?), e tinham a ver com pequenos poderes que se relacionam com pouca gente, mas cada pessoa é uma pessoa na minha modesta opinião, e as opções tomadas podem transformar algumas vidas para sempre (ou mantê-las irremediavelmente na mesma).

pronto. e agora que já revelei o mais importante do segredo - a sua substância e não a sua forma (essa é que não dá mesmo), junto-me a uma reflexão sobre os segredos que ouvi ontem pela boca da Pilar (que antes de ser mulher do Saramago já era uma grande mulher, uma grande pessoa, whatever) e que tem a ver com os segredos.
a avó dela dizia, quando uma mulher perde a honra, ganha liberdade. isto era muito à frente para a avó dela dizer, mas pelos vistos disse, e parece-me bem. e isto tem a ver com os segredos, porque os segredos castram a possibilidade de nos livrarmos do que eles ocultam, ou de superarmos o problema que o segredo guarda.

no contexto em que falava, Pilar relacionou com os segredos/não segredos do Volver.
mas no contexto destes dias, apetece-me dizer que enquanto há segredo do Pai Natal para as crianças, vamos atrasando a sua descoberta da vida. de qualquer maneira, mudando de tema, se não fossem as crianças este Natal (e os outros, na verdade) não tinha graça nenhuma.

Wednesday, December 06, 2006

144 para quem tem medo de estar em casa

Cada um@ tem o seu medo: medo dos outros automobilistas; medo de atropelar alguém; medo da polícia; medo dos ladrões; medo dos terramotos; medo dos incêndios; medo dos cães; medo das aranhas; medos sociais como estar no meio de demasiada gente; medo de encarar determinadas pessoas; medo de não ter dinheiro para pagar as contas; medo de engravidar; medo de adoecer; medo da morte; medo de levar um tiro;
mas... medo de estar em casa?

isto é a propósito - tardio - do dia 25 de Novembro, que é dia nacional de luta contra a violência e porque todo/as, quase de certeza, conhecemos alguém, homem ou mulher, vítima de violência doméstica (estima-se que 1/3 das mulheres são vítimas de violência doméstica e não se sabe que percentagem de homens serão vítimas do mesmo)

Monday, December 04, 2006

não há nada como a banda


A banda
Chico Buarque 1966

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Pra ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor

Monday, November 27, 2006

Lençóis brancos

Gostava de te dizer as palavras certas
(como se houvesse uma única a fazer sentido agora)
Gostava de te deixar em paz
Sem que ficasses só
Gostava de to trazer de volta
Gostava tanto!

Vento, vento, mais vento
E chuva, mais chuva.
Nem o vento leva daqui o pranto
Nem a chuva lava-te aqui a cara.
Dizem-te que o tempo secará as lágrimas
(como se elas estivessem penduradas na corda da roupa!)
Mentem-te!
Nem o tempo, nem o vento.
Mas talvez cada dia procurar
Algo bom do passado
E algo bom no futuro.
E talvez cada dia com gestos iguais…

(Se suspirares entretanto, é a saudade;
Se soluçares, é do ar que retiveste por tanto amar.
Não te rales com suspiros e soluços
Olha os fantasmas com espanto:
Eles poderão trazer-te paz.
Basta sorrir-lhes. Depois de lhes falares
Sem medo, eles voltarão à sua vida
Como lençóis brancos a esvoaçar)

Wednesday, November 22, 2006

a inutilidade da antecipação

ontem, no telejornal havia uma reportagem sobre a ansiedade. não gostei nada, mas ainda assim fiquei a pensar. sempre quis controlar tudo, não de uma forma objectiva, mas por via de superstições meio veladas. antecipar para que não acontecesse ou pelo menos para estar preparada para todas as situações. afinal não resulta (como percebi depois de atender o telefone há 3 semanas atrás). a antecipação é a arrogância de achar que se possui uma qualquer força divina e a sua inutilidade ainda não tem alternativa.

Tuesday, November 14, 2006

feia e mentirosa

a morte, além de ser uma palavra feia, engana-nos. veste-se de surpresa, para dar um ar supersticioso, ou veste-se de lentidão, para dar um ar antigo. a morte é feia e mentirosa. não tem graça absolutamente nenhuma. as suas constantes surpresas são piadas de mau gosto.
a morte devia estar calada quando as pessoas realizam sonhos. respeitar o sonho era mínimo que a morte podia fazer.
a morte mente porque parece querer ensinar alguma coisa, tipo 'dar mais atenção às pequenas coisas da vida', mas no fundo não ensina nada.
a morte gera rancor, descrença, raiva. é preciso um esforço enorme para transformar a raiva, a descrença e o rancor em coisas menos más. e esse esforço enorme envelhece. a morte é cabrona de merda

Wednesday, November 08, 2006

da roca a são vicente

Foram daquele tipo de sucessão de dias que dá vontade de dizer foram os melhores dias da minha vida. Felizmente o hábito de desfrutar da vida e dos espaços que podemos conhecer faz-me ter várias sucessões de dias melhores da vida. Há outros. Apetece-me recordar estes. Foram os primeiros dias de Setembro de 1993. Organizou-se uma actividade de escoteiros para unir, pedalando, o Cabo da Roca ao Cabo de São Vicente. Calcorreámos a costa alentejana, mais perto do mar, na areia molhada, ou em cima das arribas, perto dos chorões e do zimbro. Custava pedalar cerca de 60 kms por dia. Esperávamos pelas estradas ladeadas de eucaliptos para pôr os pneus a render. Levantávamo-nos tarde. Comíamos cada um meio pão alentejano e meio litro de leite. Manteiga ou flora, marmelada. Almoçávamos às 5 da tarde, pelo que pedalávamos inconscientemente na hora do calor. Depois jantávamos a maior parte das vezes já depois da meia noite. Uma vez, ao pé da Zambujeira do Mar, comemos soja com esparguete. Tínhamos andado de porta em porta a pedir condimentos para temperar a insípida soja e esperámos até tarde para cozinhá-la. Acampámos no pinhal, dormindo em estrela à volta da comida que, depois de feita, estava uma verdadeira merda. De manhã, só o Bruno comeu um pouco dos muitos restos do jantar.
Lembro-me dos rapazes hesitarem para ir ao banho, nas praias mais lindas da costa alentejana. As raparigas, quais lontras, aproveitávamos logo a deixa do belo: as conchas, o sol a pôr-se, os cristais de areia ao luar. Eles também eram sensíveis a isso, mas fingiam que não. ou disfarçavam melhor.
Cantávamos o que nos vinha à cabeça. Íamos a ritmos diferentes. Quando os
últimos chegavam ao pé dos primeiros, a impaciência fazia retomar de seguida os pedais. Ficávamos amuados, a brincar. Passava rápido.
Ao chegar a São Vicente, havia uma estrada de terra batida, aos altos e baixos muito acentuados, como a vida. O Bruno ganhou um último impulso e pedalou mais depressa, quase saltando as lombas. São estas pequenas coisas que vão começando a fazer-me voltar a sorrir.

"o bruno foi viver para as montanhas"

como ainda não consigo dizer nada de jeito...

Tuesday, October 24, 2006

Cartas a um ditador


do programa do doc Lisboa:
"O documentário de Inês de Medeiros visita memórias dos anos do salazarismo, dando a palavra a mulheres de diferentes extractos sociais que, com maior ou menor receptividade, tinham sido contactadas para manifestar o seu apoio a Salazar, a pretexto da primeira crise que abalou a ditadura, a campanha do General Humberto Delgado."

o documentário de Inês e Medeiros foi exibido publicamente ontem pela primeira vez no grande auditório da Culturgest, e espero que seja rapidamente passado para o programa do cart geral. entretanto, até dia 28, pode ser visto no Doc Lisboa, sob requisição.
aprendemos um pouco mais sobre um tempo muitas vezes incompreensível para quem nasceu depois, e há temas muito actuais, como a liberdade da mulher... mas só vendo

Monday, October 16, 2006

como os cágados e os ursos




castanhas, maçãs assadas, nozes. botas para a chuva, estendal dentro de casa, chapéu de chuva do chinês. (isto como postulados cosy para o outono instalado)
mas depois há também o metro parado, o trânsito atulhado, os buracos da estrada que molham as pernas dos teimosos peões, mais buzinas, mais alarmes (felizmente há as goteiras como som alternativo, e os saltos altos no metro)
é que começam as coisas a mergulhar na terra, e a ficar lá até depois do frio passar, mas a gente não mergulha na cama, a hibernar, como os cágados e os ursos. porquê? em vez disso tomamos mais café e disfarçamos mais as olheiras.
só mais um postulado cosy: mais cinema - no ecrã grande e no pequeno. o cinema, como a ginástica as drogas e o alcool, leva-nos para longe da vida de todos os dias, é só escolher um destino entre os locais dos enredos. ultimamente escolhi Paris e Havana (mas não aconselho a Cidade Perdida, é bué reaccionário).
resumindo, um episódio da national geographic e o eládio climaco a estender as palavras da locução, num domingo de chuva, a comer maças assadas

Friday, October 13, 2006

quase 100 mil pessoas nas ruas


entre 70 e 100 mil pessoas na manif de ontem pelos direitos dos trabalhadores.
se calhar porque só quem tem alguns direitos - cada vez mais ameaçados - é que ainda (e ainda bem!), consegue lutar.
Viva a não resignação!!
(parafraseando a Sophia) Porque os outros calam mas vós não!

Thursday, September 21, 2006

Wednesday, September 20, 2006

os velhos

Os velhos trazem uma vida toda atrás deles
por isso é que lhes custa andar.
nós, os novos, devíamos querer ser velhos
porque os velhos já aprenderam muito
Os velhos às vezes têm o pensamento confuso.
é natural: já pensaram demasiado na vida.

Os velhos são como as crianças
e não é só por causa das fraldas:
os velhos páram no meio da rua
para olhar para qualquer coisa;
dizem coisas inteligentes
sem ninguém estar à espera
(ou coisas poéticas,
ou coisas consideradas inapropriadas);
admiram-se facilmente;
são gulosos e generosos;
gostam mais dos animais;
e, volta e meia, caem.

Se nos dedicarmos a ouvir os velhos
sem pensar constantemente
quando é que ele se cala ou as coisas que temos para fazer,
ouvimos coisas mais novas do que nós
(ou novas para nós)
e revelam segredos.

Monday, September 04, 2006

alegrias domésticas

uma casa nova leva-nos a desvarios e a sentimentos de satisfação produzidos por coisas que normalmente acharíamos espatafúrdias.
se não, como ficar tão contente porque já se tem uma varinha mágica, ou triste porque se tem de trocar a aparelhagem nova por outra porque a rádio não funciona?

uma das maiores alegrias domésticas da actualidade é, depois de trazer os móveis Ikea para casa, arrumadinhos nos cartões, decobrir que não faltam peças para bem-montar os móveis e, mais do que isso, conseguir montá-los sem grandes dificuldades.

uma outra alegria doméstica é já ter uma escumadeira, um saca-rolhas, um ralador.

as listas do que falta e do que já há parecem intermináveis, como se encher uma casa não fosse uma das coisas mais rápidas do mundo.