Friday, July 24, 2015

Trocar o computador pela marmita

Quando era pequena gostava de poupar dinheiro, de o contar, de o ir trocar ao Banco. A culpa foi do meu bisavô, que dava uma moeda de 25 escudos no natal. Achava curioso que ele tivesse uma bolsa delas. Mas só dava uma. O outro culpado foi o Montepio Geral. Quando andava na ginástica eles tinham uma campanha de contas em que ofereciam uma abertura de conta com mil escudos à sorte. Tive sorte e tive uma conta com 9 anos, acho. Nesse ano e seguintes acumulava moedas, de todos os tamanhos, numa caixinha. Orgulhosa de mal gastar um quarto da mesada, ia trocá-las ao banco. Os bancários achavam graça e eu alimentei o gosto pelas poupanças. Mas não muito.

Felizmente os meus pais não poupavam. Apenas gastavam pouco para poder gastar em livros, em viagens. Não gastavam em carros nem em empréstimos a casas. E portanto, cresci com esta diferença, uma diferença de classe que me chateava, porque gostava era de ser igual aos meus colegas. Os meus pais tinham um carro em segunda mão e uma casa alugada e os meus colegas tinham casas compradas e carros recentes. Percebi rapidamente a importância da tacanhês económica dos meus pais: nós viajávamos muito mais e comíamos mais vezes fora, sobretudo nas férias e em quase todos os aniversários. Peixe, de preferência.

Resumindo, aprendi cedo a poupar e a gastar pouco. Mas tudo num ambiente sem contenção em geral. Algarve na infância, ginástica, viagens dentro e fora do país, a acampar, quase sempre. EM adulta, períodos de meses sem trabalho ajudada pelos pais. Mas depois veio a crise económico-financeira. Num tempo em que eu tinha bolsa de investigação. Nada má, por acaso, 1500 mensais. Tendo constituído família e com um marido a ganhar menos do que eu, foi bom ganhar bem. Dava para não andarmos preocupados com contas. Poupados, gastando pouco, mas sem contenção geral.

Só que entretanto os meus pais, ambos reformados, foram cortados pela metade na sua reforma. E foram aumentados na sua renda em muitas centenas por cento. A minha irmã esteve desempregada dois anos e meio. E eu, no final do período de desemprego dela, fiquei sem salário. Tout court. Uma bolsa não dá direito a subsídio de desemprego. Os cortes ao financiamento no superior engarrafaram ainda mais o trânsito dos pedidos de bolsa. Desde abril de 2015 que não recebo. Nada. Valem-me os meus contidos gastos - vulgo poupanças - no ano anterior e, mais uma vez, os meus pais que apesar de não poderem, sacrificam os seus gostos culturais para me ajudar com uma quantia pequena mas boa, mensal.

Há colegas meus que defendem que é melhor ter uma bolsa de 1500 euros durante uns tempos do que ter um contrato de, digamos, 1100 euros, com direito a subsídio de desemprego no final. Porque as pessoas pensam é no presente e tal. Felizmente, nunca pensei assim e por isso agora posso sublinhar a minha posição: estou desde maio sem receber e custa-me cada dia não ter um subsídio de desemprego. Custa-me cada dia tentar viver com um limite de 600 euros mensais. Gasto quase nada a ir para Lisboa todos os dias. Dá muito trabalho. Fazer o almoço para o João, fazer o almoço para mim, lembrar-me a cada momento que não posso gastar dinheiro, beber o café da máquina de cafés mais barata da universidade, estacionar o carro para ir para o barco não no estacionamento formal, mas no estacionamento informal, mais longe; custa-me cada dia não poder comprar legumes e fruta de qualidade. E cada dia me custa mais ouvir o filho da puta do primeiro ministro dizer que afectou a todos esta crise.

Esta crise não afetou a todos, não senhora. Afetou as classes mais desfavorecidas, e afectou as classes médias que se tinham habituado a viver mais ou menos, e agora tiveram de sair daquilo a que ele chama zona de conforto que era só o poder ir comprar um frango assado de vez em quando para o jantar.Não afectou grandemente as classes mais abastadas. Aliás, afectou-as de uma maneira especial: ficaram mais a favor do voluntariado, por exemplo.

E esta crise não afecta as pessoas mais ricas, pelo contrário, enriquece-as. Se já sabíamos que isto era verdade para os bancos, é também verdade para coisas tão práticas como comprar batatas fritas para acompanhar o raro frango no take away. É que se há coisa que as ex-classe médias não podem deixar de fazer, tal como as outras pessoas, é de comer. Por isso não precisamos de mais nada. Só dos Belmiros e dos como é que se chama o do Pingo Doce, já me esquici?

A parte boa é que posso dar dicas a quem quiser, sobre como poupar mais e mais. Agora aprendi a quase não deitar nada fora do frigorífico. Aprendi a dar valor às marmitas, agora que as uso todos os dias, na mochila, em vez do computador, que em casa agora só há um. Enquanto não me tirarem o "posto de trabalho" na universidade, uso o de lá.

Só tenho pena que os partidos de esquerda estejam sub-divididos. Precisava mesmo que se unissem. Sentiria mais esperança. Eu, e emuita gente, aposto.