Friday, May 23, 2008

pedintes e moralismos outra vez

O metro é um lugar social. Uma senhora de 60 anos, na moda (uma permanente eighties), diz ao pequeno pedinte, "tu tens é de ir para a escola" e ele, "mas hoje é feriado", e ela, "ahn, não me interessa, não devias andar aqui a pedir". Ele e o irmão mudaram de carruagem e ouve-se o acordeão desafinado ao fundo. (eu também queria que ele andasse na escola e que não andasse há anos a juntar raivas contra pessoas que não olham, não dão, não nada)
E desde a Alameda até ao Campo Grande, veio a falar comigo, mal me deixando intervir, sobre os falsos pedintes, e que há uma senhora no Rossio que é deixada pela filha todos os dias a pedir e que a filha é bancária, e que há outro que dá cabo das crostas da perna, "nem sei como é que ele ainda não teve uma infecção", e eu só tive tempo, entre Alvalade e o Campo Grande, de deixar no ar uma pergunta fraquinha perante a impotência em resolver este incómodo dos metros e das ruas. o que é pior, perguntei, pobres que roubam ou ricos que roubam?

Monday, May 19, 2008

o tempo anda sempre. a pé, é verdade, mas anda. por isso demora a chegar num tempo em que se anda de carro e de avião.
se o tempo finalmente chegou a qualquer lugar, não tardará a partir. a pé, é verdade.
e enquanto se anda de carro ou de avião haverá que esperar depois como se fosse a pé percorrer a mesma distância.
quando se diz que o tempo é dinheiro, mente-se. quer-se apenas desviar a atenção daquilo que o tempo realmente é. o tempo é espaço percorrido. a pé, é verdade. mas é distância quando começa a andar e proximidade quando começa a chegar.

Thursday, May 15, 2008

O pedinte que fuma - e depois?

A Morais Soares é a rua mais agitada de Lisboa (de dia). Os passeios não são assim tão estreitos, mas as pessoas andam sempre a fazer figura de Mr. Bean atrás das velhotas, simulando facas para as matar porque andam devagar de mais. Outros passeiam-se em grupos sem reparar se quem vem atrás tem pressa ou não. Outros esperam sem ordem na paragem de autocarro, ocupando mais de metade do passeio. Resumindo, os peões não se compreendem mutuamente. Não há muitos pedintes, mas há pelo menos um de pernas esticadas - uma com coto, outra ainda comprida - que ocupam mais de metade do passeio. As pessoas conhecem-no como a um vizinho: ora ignoram ora cumprimentam. O senhor fuma o seu cigarrinho. Ponto.
Hoje ouvi uma senhora, que não lhe deu nada, dizer-lhe: "o cigarro faz-lhe mal", como quem diz, pois, anda a pedir, mas isso do cigarro não ajuda. Vamos lá ver: o cigarro faz mal a toda a gente. E há outras coisas que fazem mal, como ser paternalista e dizer estas coisas às pessoas, como se fossem crianças, como se não fizessem escolhas. O senhor que pede, vamos lá ver, eu até nem dou (só a quem mostra as suas artes na rua), não o estou a desculpar, mas que raio de autoridade tem a senhora para dizer o que faz mal? Ela sabe lá se ele já fumou 40 cigarros e agora fuma dois? Ela sabe lá se ele fuma dois em vez de tomar dois ansiolíticos por causa dos sonhos com a guerra? Porque é que ela não deixa estas frases para dizer aos seus (amigos, filhos)?
O senhor pedinte, que nos olha como quem nos quer conhecer e passar a dizer bom dia, com um coto na perna esquerda, que escolheu aquela rua para se instalar o dia todo fuma o seu cigarrito - e depois? Vai dizer à polícia?

Tuesday, May 13, 2008

Vaca - um, 1º de Maio - zero


Apesar de ser a cidade que dá nome ao primeiro 1º de Maio (que este ano fez 122 anos), Chicago dedicou-lhe uma escultura no lugar do crime apenas em 2003. O 1º de Maio não faz parte da identidade imediata da cidade de Chicago. Os guias turísticos privilegiam a arquitectura modernista e a dos arranha-céus nas suas diversas épocas, bem como o urbanismo. O grande incêndio do final do século XIX é também matéria prima da memória comum, especialmente a lenda do que atiçou o incêncio: estava uma senhora a ordenhar uma vaca de madrugada, com uma lamparina para ajudar a ver, quando a vaca dá um coice à dita cuja e o fogo começou. A vaca apenas foi ilibada da culpa no final dos anos 1990, num acto simbólico. Como se pode ver por estes dois exemplos, a construção da memória de Chicago parece ser recente, não fosse a cidade também recente, como todas as americanas. Por enquanto a vaca ganha ao 1º de Maio, mas a união recente de 150 sindicatos e o Mayday all over the (western) world ameaça incendiar a alienação orden(h)ada.

Friday, May 09, 2008

sears tower (103º andar)


uma pessoa vem de chicago, a cidade ventosa, e pimba, aqui também está vento e frio e às vezes as nuvens nem deixam ver para que ponto cardeal estamos voltados para não nos perdermos, como na cidade com menos ruas* que conheci até agora (acho).
aqui (Lx) as vistas mais altas, tirando as amoreiras ao fundo, ressaltam uma cidade à escala humana. espantosamente, em chicago, com duas das torres mais altas do mundo e uma data de arranha-céus na baixa da cidade (como se pode chamar baixa nestas cidades altas?), a cidade para lá da baixa tem também uma escala humana, bairros de casas de três pisos a perder de vista, em bairros sucessivos que apetece conhecer.
*tem menos ruas porque as que tem têm assim uma média de 10 kms de comprimento

Thursday, May 08, 2008

adivinha que cliché presunçoso é este*

os sentimentos não se controlam
não se controla o que acontece aos outros
ninguém é independente

saber estas coisas não implica saber viver assim

*resposta certa: só sei que nada sei